segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Os poetas podem ver no escuro

Acabo de devorar “Atlas”, um ensaio poético de geografia fantástica em que Jorge Luis Borges exerce o melhor da sua poesia e do seu lirismo, bem acompanhado por Maria Kodama.

Comprei o livro no sábado. Eu tinha acabado de almoçar e decidi tomar um sorvete. Passei em frente à Livraria Cultura e me apaixonei pela capa verde, com o Borges a contemplar um “não sei o quê”. Como se a vida tivesse parado ali, deixando-o compor a cena. Troquei o sorvete pelo livro. E mergulhei noite a dentro, com ele. Só parei à última página.

Borges conviveu com uma cegueira progressiva a partir dos anos 50 do Século passado. No final da vida – ele morreu em 1986 – enxergava pelos versos, através da fantasia ditada. Nunca viveu nas trevas. Ao contrário, espalhou luz com a sua poesia sobre um universo de mesmice. Dizia que os poetas, como os cegos, podem ver no escuro.

Em "Atlas" ele descreve lugares que só viu pelos olhos de sua amada. Enxerga o que poucos veem. Traduz sentimentos puros, quase banais, de forma extraordinária. A certa altura, numa viagem ao Egito e diante de uma pirâmide, ele se abaixa; enche a mão com um punhado de areia e o derrama um pouco mais adiante, dizendo – “estou modificando o deserto”.

Borges e Maria Kodama

Junto a esse olhar encantado, Borges funde memórias da leitura de seus livros preferidos e atribui sentido mítico à sua rápida passagem por lugares identificados pelas páginas de seus autores prediletos e pelo toque de suas mãos.

É esse tipo de encanto que toma de assalto todo aquele que debruça os olhos sobre as suas linhas. Borges é um presente. Foi uma bela troca. Uma casquinha de baunilha por uma viagem a seu lado. Pelas páginas do último livro que Borges publicou em vida.

Para quem não conhece ainda, vale a pena descobrir os versos de Borges musicados por Vitor Ramil, o irmão mais novo da dupla gaúcha Kleiton e Kledir. Borges sempre pensou seus poemas como músicas. Como milongas. Como as milongas que Vitor Ramil fez em seu disco “Délibáb”, um vocábulo húngaro que quer dizer “Miragem”. Aí, então, o melhor da miragem deste poeta cego, que nos faz enxergar a fantasia e imaginar o amor, como ninguém, na voz de Vitor Ramil.

6 comentários:

  1. Borges é muito bom. Os seres fantásticos é um livro dele que guardo pra Sophia.

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  2. vou busca-lo para saborear os sentimentos tão bem descrito por vc!bjs

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  3. Fiz uma matéria com Maria Kodama durante um estágio na News. Passa pra ver, é a segunda reportagem... bjs
    http://vimeo.com/5749943

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  4. Bom dia pessoas! Maurilo, Sophia vai se encantar com os seres fantásticos (e desconfio que você estará para sempre na galeria dela).

    Lau, tenho certeza de que você vai ler mais rápido do que eu e não vai esquecer nunca mais.

    Leninha, vou olhar agora, mas já sei que vem coisa boa de lá. Beijos em todos.

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  5. Maranha, que delícia. Me lembrei que a quietude por si só é o potencial da criatividade. O movimento por si só é sua expressào. Vou comprar e delirei com o som...

    Beijos pra Mara, vc e filhotes

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  6. Iara Maurente, uma querida amiga me escreve e eu não posso deixar de reproduzir aqui:

    Querido!
    Eis-me aqui, no Maranhão, na tua querida São Luis onde o calor arruina o juízo e faz as pessoas fiarem calminhas, calminhas...
    Adoro Borges, desde sempre. Tenho-o em espanhol, que é pra amar de verdade e saber o que quer dizer poesia.
    Agradeço a dica e nos vemos depois da vitória de Dilma e do Agnelo, ok?
    Daqui sigo para Brasília hoje à noite e amanhã, Porto Alegre - pra votar, que sou muito patriota!!!
    beijo
    iara

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