De onde venho, aprendi a ver o mar com olhos de respeito,
desejo e saudade.
Tudo ao mesmo tempo. Sou neto de pescador. Isso
talvez bastasse para dizer do meu amor pelo mar. Talvez. Mas não tenho
certeza.
Olhando o mar, seu horizonte sem fim e indecifrável,
gastei horas a fio de minha infância. Das primeiras lembranças que tenho
do mar, me recordo de embarcações de pesca e do cheiro do breu isolante no
casco dos barcos e do peixe fresco
desembarcado de manhãzinha na praia.
Menino mesmo e sem saber ainda nadar, acompanhava meu pai
à espera do desembarque dos peixes. Havia uma ponte de madeira na praia da
areinha, que nesse tempo permitia a pesca. Não havia ainda a barragem do
Ibacanga, separando como uma espinha de peixe a garganta de rio que existe entre a ilha e o bairro Anjo
da Guarda.
Eu, menino do asfalto, via outros meninos, da praia, numa
cumplicidade atroz com a ponte de madeira e o mar. Eles corriam alegres, tomavam
um impulso no ar e caiam n'água pra sair uns metros mais adiante, com uma
maestria que nada tinha de infantil.
Eram senhores daquele pedaço de mar. E carregavam um
sorriso de felicidade impossível de descrever, desses que só se encontra
no rosto de quem, mesmo sem querer, encostou na felicidade.
Seguiam-se meninos e saltos. E eu lá, com os olhos
vidrados de vontade e inveja, mas consciente de meus limites: Nunca em minha
vida havia entrado no mar.
Meu pai, esperando os peixes, percebeu meu olhar.
- Vai lá, meu filho. Tira a camisa e o chinelo e
vai.
Não sei de onde tirei coragem, mas tirei. Junto com a
coragem, sem camisa e sem chinelo, senti-me um pouco dono do mundo, daquele
mundo. Acho que a ignorância nos faz corajosos. Eu ignorava o mar, o medo, a
profundidade daquela água, eu ignorava a razão.
E assim, ignorante e ao mesmo tempo apaixonado por aquilo
tudo, corri como quem corre a maior corrida da sua vida e saltei livre,
quase alado, em direção ao mar.
O mar me recebeu em seu colo salgado. Me envolveu e me
levou pro fundo.
Primeiro, minhas mão tocaram na areia. Depois, meus
joelhos. Meus olhos estavam abertos e viram cada vez que os meninos - não eu -
passavam por mim como flechas, entravam, mergulhavam ao fundo e como num
movimento de arco, subiam à superfície.
Me recordo de ter visto uns três fazerem isso, enquanto eu
estive no fundo.
Eu não sabia fazer aquilo. Portanto, não sabia emergir. Creio que tudo isso não passou de poucos segundos. Mas, para
mim, eles duraram o tempo de uma eternidade. Eu não sentia medo. Apenas reconhecia a minha
incapacidade de voltar à tona.
Minha vida por um fio e eu encantado com o mar.
Até que a mão salvadora de meu pai surgiu, me pegou pelos
cabelos e me puxou para cima. Eu que já não tinha mais ar, respirei aliviado.
E aprendi a respeitar o mar, sem nunca tê-lo deixado de amar.
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