segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A vida de “seu” Carlos, num sopro.


 * Por Mariza Poltronieri

Mariza Poltronieri
Carlos sempre foi "Seu" Carlos, desde que ele tinha uns 20 anos. "Seu" Carlos viveu criança porque seu cérebro e seu coração quiseram assim. Mas o que mais dizia à idade que ele tinha eram seus olhos. Ele tinha olhos infantis, lá dentro, onde a gente enxerga a alma.

"Seu" Carlos morava no bairro da minha mãe. Nós, crianças ainda, brincávamos na rua, jogando bets, andando de bicicleta e "Seu" Carlos passava com sua pasta 007, intrigando-nos com seu conteúdo. Sentava no meio-fio e observava as brincadeiras, com seu olhar de menino.


Algumas vezes ele tocava a campainha de casa e pedia um dinheiro. Sempre era o mesmo valor, cinco-qualquer-moeda. Era como se pedisse R$ 50,00 hoje. Não levava tudo, mas sempre levava alguma coisa.

Não sei onde "Seu" Carlos está hoje, mas ainda lembro a última imagem que tenho dele.

Quando ainda frequentava as missas da Catedral, "Seu" Carlos ia ao mesmo horário. Havia um banco, o primeiro da frente, destinado às crianças. Era lá onde ele ficava. Ele participava do seu jeito doce. Sempre sem sorrir, mas de um jeito agradável de ver. Enquanto ele prestava atenção na missa, eu prestava atenção nele.

Havia um momento aguardado por ele e por mim, porque eram os segundos mais sublimes de felicidade que já presenciei.


Havia um candelabro de sete velas gigante no altar, que ficava a altura de um homem. Na altura do seu Carlos-criança. Suas velas eram acesas no início da missa e apagadas ao seu término. Alguém com muita sensibilidade e gentileza deu a "Seu" Carlos o ofício de apagar as velas ao fim da missa. Ele esperava ansioso por este momento. Era como se o maestro fizesse o sinal para seu melhor violinista fazer o seu solo. Ele levantava-se do banco e educadamente se postava a frente do candelabro. Assoprava cada uma das velas como se toca cada uma das notas do violino. Ao final, sorria para si mesmo.

Neste momento, eu era a sua plateia e minha alma aplaudia. Ainda bem.

Todos nós sabemos o momento de "tocar nosso violino". Sempre haverá uma plateia, nem que seja de um só, para observar e entender.


* Mariza Poltronieri é sócia proprietária do Buena Vista Bistrô, em Maringá, PR. E escreve aqui, sobre o que tiver vontade, sempre que a vida lhe permite roubar um tempinho da gastronomia. 

Um comentário:

  1. Obrigada por Seu Carlos. Ainda que sua vida tenha sido anônima para muitos, é um personagem carinhoso que guardo comigo.

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