domingo, 26 de maio de 2013

Tempo de estio

Vinhos suspensos, até o novo encontro.
Meu pai está no hospital. Ontem estive com ele. Hoje estarei de novo. Há um revezamento de irmãos em torno dele e de minha mãe, nestes tempos em que eles, nossos pais, vão-se tornando mais frágeis e exigindo de nós mais carinho e atenção.

Viegão encara uma uma dieta compulsória à base de soro, glicose, alguns medicamentos contra dor e nada mais. Nem sólido, nem líquido. Até que a pancreatite aguda ceda e se descubra os motivos dela. Depois da primeira noite no Hospital das Forças Armadas, tendo minha irmã como companhia, a enfermeira entrou e perguntou se estava tudo bem. E antes da resposta, lhe disse (trazendo nas mãos o café da manhã de minha irmã) que ele não poderia comer nada. Dieta zero. E insistiu: Está tudo bem com o senhor?

Minha irmã diz que os olhos dele ficaram compridos pro café dela. Depois ele olhou pro soro e disse: "É a primeira vez que tomo café da manhã a conta-gotas e na veia". Não é o que a gente queria, mas a temporada no hospital é necessária. Disciplinado, ele já estabeleceu uma rotina. Lê um livro de Borges e escreve cartas.

Suas cartas são, em maioria, cartas de despedida das obrigações que ocupava na maçonaria. Secretário disto, coordenador daquilo... Viegas está se desligando das obrigações formais para ter um pouco mais de tranquilidade. Está correto, ele quer gastar mais tempo lendo e escrevendo do que correndo de um lado para outro.

Quer gastar mais tempo fazendo o que gosta. Experimentando comidas e vinhos (claro que isso vai exigir uma dose de paciência até que ele esteja plenamente recuperado. mas tenho certeza, não demora).

Não faz muito tempo, tivemos uma tarde dessas de vadiagem plena e saborosa. Eu, ele, Mara e Dona Isabel, minha mãe.  Foi um dia desses que o tempo não vai apagar. Nem a distância. Nem nada. Era um sábado e o convite pra um passeio/almoço,  foi aceito de pronto. O passeio incluiu comprinhas com Dona Isabel. O almoço incluiu vinho com o Viegão.

Tempos de  "Nuca"
e ele me ensinando judô. 

Quando criança, tomava banho de chuva com meu pai.
Depois de adulto, fui eu quem o levou pro mar. 
Entre um gole e outro, eu e o pai falamos da vida. Dos desejos, dos bons e maus jeitos. Conversa de "homeninos". Um experimentando o outro, numa medida em que só a maturidade permite. Falamos da França que ele não conhece e que prometi levá-lo. Falamos de amores, de internet, de sonhos e desejos.

Um Catena Zapata regou nosso paladar e nossas ideias. Viegão estava impossível. Depois do almoço, levamos os dois para um café na livraria Cultura. Eles não conheciam o espaço superior, onde se toma café e gasta as horas com leitura ou com o que quiser.

Meu pai ficou encantado. Os olhos dele pareciam olhos de menino em loja de brinquedo, tamanha era a fartura de livros, autores e títulos. De repente, percebi que ele se afastou. Pediu ajuda, pediu um livro e foi pro caixa.

Não demorou muito,  veio ele com um presente duplo pra mim.  Dois volumes de Gertrude Stein. E uma dedicatória de fazer chorar.







Nuca (que é como ele me chama desde menino) Uma tarde igual a esta deve ser perpetuada na memória. Nada melhor para guardar momentos que dificilmente se repetirão que um livro. Este é teu livro e este é teu pai e admirador. Viegas. Brasília - DF. 14 de abril, de 2013. 

Só um reparo, meu pai. Haverá, sim, outros momentos como este. Se depender de mim, muitos outros virão. E enquanto o senhor se recupera, fiz uma promessa de suspender os vinhos. Só volto a tomar outro em sua companhia. Por favor, trate de ser breve. 

2 comentários:

  1. Querido Maranhão, que seu Inocêncio Viegas se recupere logo, saúde e vida longa, regada ao bom vinho em sua companhia. Serenidade e fé. Um abraço para os dois.

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  2. Bela crônica, Maranhão. Um amizade, assim, regada a muito respeito, carinho, e um sempre bom vinho, é docemente pra sempre. Que o "seu" Viegas se recupere logo. Grande abraço.

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