quinta-feira, 30 de maio de 2013

Pedras que rolam

Um jogo a três. Eu, meu pai e, numa dimensão qualquer,
o velho Opílio Viegas a mexer as pedras do tabuleiro.  
Pode um quarto de hospital ser um lugar quente? Aconchegante? Aconchego e quentura são palavras que não combinam muito com hospital. Estar ali, por si só, pressupõe necessidade de saúde, de estar bem. Os quartos de hospital estão mais para risco e desconforto do que para o sossego.

Hoje, experimento estar aqui para fazer companhia ao Viegão. Ele ainda não tem previsão de alta. Só sai depois de vencer a pancreatite. E enquanto fica, nos revezamos entre dias de mãe e noites de irmãos.

Antes de chegar aqui, pensei em algo que transfigurasse o quarto do hospital. Meu pai gosta de ler, Comprei-lhe Mia Couto de presente. Um pra ele e um pra mim.

Lembrei dos tempos de São Luis e de meu avô. Lembrei como os jogos de tabuleiros (damas, dominós, etc.) sempre o fizeram feliz. E lembrei de ter aprendido a jogar com ele. Pensei que de alguma forma, meu avô estaria por perto agora, como sempre esteve, mesmo já não estando aqui.
Opílio Viegas.

Antes de vir para o hospital, coloquei um tabuleiro de xadrez na bolsa, para testar a memória do meu pai. Para brincar com ele. Para roubar das horas duras de um quarto de hospital, uns minutos de prazer.

E assim foi que as horas se passaram. Falamos de política e religião; de índios e estradas; de futebol e literatura. Quando o assunto se foi, puxei o tabuleiro de xadrez. Meu pai riu. Disse que nem lembrava mais das regras. E eu disse que lembrava sim, porque jogar xadrez é como andar de bicicleta, nunca se desaprende.

E jogamos duas partidas. E ele pediu pra dormir.
E por não ter violão à mão, por não saber fazer música como Chico ou Mercedes, corri para o computador e escrevi.

Enquanto isso tudo acontece, imagino as risadas de meu avô preenchendo o vazio do quarto. O velho Opílio passou por aqui e fez rolar as pedras do nosso xadrez. As minhas, seu neto. E as de meu pai, seu filho. Partilhamos, por uns instantes, o universo preto e branco do tabuleiro. Entre reis e rainhas, bispos e peões, cavalgamos as horas tristes de um quarto de hospital como quem rompe o horizonte em direção ao mar.

O mesmo mar que me viu nascer. O mesmo mar em que navegou o seu barco, "Bela Rosa".  O mesmo mar que nos une, na condição de navegantes precisos, preciosos, dessa vida incerta e bela.

5 comentários:

  1. Maravilhoso isso. Inspiração e poesia com quem se ama num momento de puro cuidado. Saúde para seu Viegas, luz para seu Opílio, paz prá você.

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  2. Meu poeta...Quanta ternura...Quanto amor... Lindo demais. Que ele saia logo...A benção poeta!

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  3. Maranhãozinho, que tudo corra bem, que este hospital seja breve e que você seja sempre tão abençoado, assim como teu querido pai. Beijos

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  4. Maranhão, o comentário vai sair em nome da Ma, que também te manda um beijo e ao teu pai.

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  5. Maranhão,
    Esperança, apreensões e tristeza às vezes nos assaltam.
    Permita-me lembrar um poeta simbolista:

    Estalactite

    A gota vagarosa,
    Infiltrada no dorso hirsuto da montanha,
    Atravessa da gruta a abóbada porosa
    E forma lentamente incrustação estranha.
    5. Também na alma humana
    A lágrima cruel, caindo dia a dia,
    A lágrima que gera a negra dor insana
    Forma a Estalactite enorme da agonia.

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