Por Celso Grecco*
O "velho" Rocha e seu neto, Celso. |
Lembro-me com carinho das festas da aldeia, em especial aquela que acontecia sempre no dia 8 de setembro, na praça em frente ao Santuário da Nossa Senhora dos Remédios. Dia de Romaria e feriado municipal, os rapazes vestiam seus melhores trajes e cumpriam a tradição da luta do pau. Era uma luta, mas coreografada como uma dança, e servia para exibir virilidade e cortejar as solteiras.
Meu primeiro gole de vinho do porto foi ali pelos 11 ou 12 anos de idade. Nunca mais deixei de apreciá-lo. E ao observar o meu avô, aprendi com ele a derramar um pouco de vinho tinto à sopa. Ansiei muitas vezes pelo bacalhau dos domingos, desfiado ou com batatas. Podia sentir o cheiro do cabrito com arroz de forno enquanto me deliciava ao ouvir as histórias dos antepassados da família. E quieto, observava a elegância do “velho Rocha”, como meu avô José era conhecido. Sempre de fato, chapéu e bengala, como se, mesmo aos 70 e tantos anos, a qualquer momento ainda lhe fosse possível fazer uso da bengala para, mais uma vez, lutar a luta do pau e cortejar alguma solteira.
Essa foi a minha infância. Que no entanto, foi passada longe, muito longe de Lamego, de Trás-os-Montes e de Portugal. Nasci no Brasil, na Vila Maria, bairro de imigrante portugueses na cidade de São Paulo. Cresci na companhia do meu avô, já viúvo da dona Maria Conceição Encarnação, minha avó nascida em Coimbra. Cresci também cercado das histórias, dos aromas, dos sabores e das imagens de um Portugal que eu só tinha na minha imaginação e na admiração que nutria pelo meu avô.
Meu nome é Celso Rocha Grecco, mas por simplificações profissionais, uso apenas Celso Grecco. Moro no Brasil e há cerca de um ano iniciei um trabalho pelo desenvolvimento social de Portugal.
Esta é a maneira como me refiro ao que faço, quando me perguntam o que venho fazer no país. Mas da mesma forma que eu preservo com carinho o “Rocha” entre o Celso e o Grecco, preservo também com carinho e digo a poucos que, para além do trabalho, penso que venho a Portugal também para honrar a memória do meu avô e o sangue da família Rocha.
Já ao final da vida, meu avô fez à família um pedido. Quando morresse, não queria na sua lápide aquelas inscrições tradicionais, do tipo “aqui jaz José Rocha, avô amoroso, pai querido...”. A vontade do velho Rocha era a de que sua lápide trouxesse a inscrição: “Portugal é boa terra. Ela lá, e eu aqui”. Hoje conheço Lamego. Vi de perto o Douro. Provei os sabores e adoro o povo português. Tens razão, vô, tens razão... Portugal é boa terra. Ela cá, e eu também.
Nesta sexta-feira, o jogo Portugal x Brasil vai ser muito difícil. Não me refiro aqui ao desafio dos jogadores de ambas as selecções, que vão encarar a partida com técnica e profissionalismo. O jogo vai ser difícil para mim, que pessoalmente nunca olhei para o meu avô ou para a minha infância com técnica e profissionalismo.
O Celso Grecco, adulto e brasileiro vai querer torcer pelo Brasil. Mas aquele “Rocha” preservado ali no meio do meu nome e da minha história, vai me provocar: torcer contra o meu avô? Como posso?
Vô, fazemos aqui um pacto: Lembra-se de quando eu era ainda miúdo e nos jogos de tabuleiro o senhor me deixava ganhar, para minha alegria, fingindo surpresa com a vossa derrota? Pois façamos aqui um pacto. Sexta-feira estaremos novamente, frente a frente numa disputa. E quem perder, finge surpresa com a derrota, combinado?
Celso me escreveu hoje dizendo o seguinte: Escrevi este artigo ano passado a pedido do portal Sapo, lá de Portugal, equivalente ao nosso Terra ou UOL. Foi para o dia em que iam jogar Brasil x Portugal. Acho que meu avô deve andar por perto por estes dias, deu vontade de reler, deu banzo, deu vontade também de dividir com alguns poucos amigos que eu sei que guardam carinho por antepassados, como vi uma vez no seu blog... Abraço.
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