domingo, 23 de dezembro de 2012

"Seu" Vicente, o fugitivo

Minha irmã, Isabel.

Chovia a cântaros.
Minha irmã tinha pressa. Precisava ir ao salão de beleza tratar os cabelos, as unhas, enfim, cuidar da beleza. Ficar "no jeito" para uma festa à noite.

Entrou no carro, ligou e saiu. Ao entrar na via principal do condomínio onde mora avistou uma pessoa na chuva. Chegou mais perto e percebeu tratar-se de um senhor idoso, acenando, aflito, com uma bengala na mão.

Ocorreu-lhe uma dúvida e um medo. Os tempos não estão para dar carona a ninguém. Mas a vontade de ajudar aquele velhinho foi maior que a dúvida e mais forte que o medo. Ela parou.

Baixou o vidro do carro e escutou o velhinho pedir carona até o açougue, um pouco além do lugar onde ela precisava ir. Minha irmã refletiu. Olhou o relógio. Certamente se atrasaria. Olhou o velhinho na chuva... Decidiu dar carona.

Ele deu a volta e pediu para sentar-se no banco de trás. Minha irmã achou estranho, mas consentiu. Desceu do carro e o ajudou a colocar o sinto de segurança. Partiu.

O silêncio foi quebrado quando o velhinho lhe disse: “Ali na portaria, vou me abaixar, para que não me vejam”. Negativo, disse minha irmã, já um pouco assustada.

Chegando à portaria, desviou do local por onde normalmente saem os moradores e aproximando-se da guarita, baixou o vidro e comunicou aos guardas de  plantão: “Olha, estou dando carona a este senhor que me pediu para deixá-lo ali embaixo, no comércio”.

Um dos guardas se aproximou. Olhou para dentro do carro e, reconhecendo o caronista, disse: “Seu Vicente, o senhor tentando fugir, outra vez?” Minha irmã levou um susto.

Fugindo? Perguntou minha irmã.  Sim, senhora – respondeu o guarda. A senhora não é a primeira. Ele tenta essa mesma fuga várias vezes ao dia. A família dele sai para trabalhar. Ele  tem ordens para não sair de casa, mas sempre tenta dar uma escapadinha.

Seu Vicente observando tudo, num silêncio que valia por uma confissão.  Minha irmã olhava o relógio, já atrasada e perguntou se deixando  seu Vicente ali eles o levariam até em casa. O Guarda deu de ombros e disse “a senhora não se preocupe, pode deixa-lo ai, ele volta a pé e sozinho, já está acostumado.

Minha irmã comoveu-se. Deu meia volta com o carro e foi até a casa dele. No caminho de volta ainda ouviu seu Vicente resmungar, como se falasse consigo mesmo: “Esta senhora parecia tão  educada... Nunca pensei que fosse me denunciar na portaria.”


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