segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Memória de campanhas


Opílio, meu avô.
Nestor era um camarada muito conhecido na Madre Deus. Tanto quanto o meu avô, Opílio Viegas. Nestor era um negro de presença, mestre de obras, dos bons. Requisitadíssimo e com muito estilo.

Não suportava a ideia de andar sujo ou mal vestido. O fato de ser mestre de obras tornava-o mais exigente consigo mesmo. Então, sempre que terminava o trabalho, Nestor saía da obra impecável. Terno de linho branco, sapato lustroso e perfume importado.

Era tão popular que um dia decidiu testar a popularidade disputando uma eleição de vereador. Anunciou a decisão para quem pode e saiu em campanha. Poucos dias antes da votação, Nestor entrou na quitanda do meu avô.

Cheio de "nove horas" - como se diz, lá no Maranhão, sobre as pessoas que exageram na formalidade, Nestor empostou a voz e pediu, solenemente, ao meu avô: - Seu Opílio, eu preciso do seu voto. E desfiou um extenso rosário de projetos e propostas que ele jurava, defenderia, caso fosse eleito.

Meu avô ouviu tudo atentamente. Gostava do Nestor. Assim, de graça. E deu-lhe a garantia do voto. Nestor saiu do encontro feliz da vida e foi em busca de outros eleitores, mais votos, já sonhando com a vereança.

No dia da eleição, meu avô acordou cedo e dirigiu-se à sessão em que votava, que funcionava na Rua de São Pantaleão, perto do Hospital Geral. Estava na fila, quando viu o Nestor aproximar-se.

Nestor cumprimentava um por um dos eleitores. Dizia umas palavrinhas e seguia em frente. Até chegar ao meu avô. Abriu um sorriso, demonstrou grande intimidade e confidenciou ao pé do ouvido: "Seu Opílio, estou eleito!" Meu avô sorriu e retribuiu o cumprimento. Mal sabia o Nestor que acabara de selar o seu destino. Pelo menos, no que dizia respeito ao voto do meu avô.

Terminada a eleição, contados os votos, veio a surpresa ruim: Nestor perdera a eleição. Ia continuar mestre de obras. Resignado, passou a conferir urna a urna para tentar entender o que acontecera. Quando conferia os votos na urna em que votava o meu avô descobriu que não recebera um voto sequer.

Com um misto de frustração e raiva, saiu em direção à quitanda do meu avô. Chegando lá, encontrou seu Opílio no balcão e foi logo disparando: "Eu pensei que o senhor fosse um homem de palavra". A que o meu avô respondeu prontamente: "E sou".

Nestor, então retrucou: Se é mesmo, como explica o fato de eu não ter nenhum voto na urna em que o senhor votou? Impávido, meu avô concluiu: "Eu estava pronto lhe dar o meu  voto. Quando o senhor disse que estava eleito, me despreocupei. E tratei de garantir um voto a mais para alguém que de fato estivese precisando". Na lógica Opiliana aquilo era mais do que justo.

Nestor, vítima da sua própria ingenuidade, seguiu tocando as obras. Ninguém jamais viu um mestre de obras tão elegante. A política perdeu Nestor. Para sempre.

(Dedico essa história à memória viva de meu pai, que ontem, durante um longo dia de passeio, vinhos e comidinhas, me contou mais uma, das muitas, do "seu" Opílio.)

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