Carta para Ariano
Matheus Nachtergaele |
Quem te escreve agora é o Cavalo do teu Grilo. Um dos cavalos do
teu Grilo. Aquele que te sente todos os dias, nas ruas, nos bares, nas casas.
Toda vez que alguém, homem, mulher, criança ou velho, me acena sorrindo e
nos olhos contentes me salva da morte ao me ver Grilo.
Esse que te escreve já foi cavalgado por loucos caubóis: por Jó,
cavaleiro sábio que insistia na pergunta primordial. Por Trepliev, infantil
édipo de talento transbordante e melancólicas desculpas. Fui domado por cavaleiros
de Sheakespeare, de Nelson, de Tchekov. Fui duas vezes cavalgado por Dias
Gomes. Adentrei perigosas veredas guiado por Carrière, por Büchner e Yeats. Mas
de todos eles, meu favorito foi teu Grilo.
Chicó e João Grilo |
O Grilo colocou em mim rédeas de sisal, sem forçar com ferros
minha boca cansada. Sentou-se sem cela e estribo, à pelo e sem chicote, no
lombo dolorido de mim e nele descansou. Não corria em cavalgada. Buscava sem
fim uma paragem de bom pasto, uma várzea verde entre a secura dos nossos
caminhos. Me fazia sorrir tanto que eu, cavalo, não notava a aridez da
caminhada. Eu era feliz e magro e desdentado e inteligente. Eu deixava o
cavaleiro guiar a marcha e mal percebia a beleza da dor dele. O tamanho da dor
dele. O amor que já sentia por ele, e por você, Ariano.
Depois do Grilo de você, e que é você, virei cavalo mimado, que
não aceita ser domado, que encontra saídas pelas cêrcas de arame farpado, e
encontra sempre uma sombra, um riachinho, um capim bom. Você Ariano, e teu João
Grilo, me levaram para onde há verde gramagem eterna. Fui com vocês para a
morada dos corações de toda gente daqui desse país bonito e duro.
Depois do Grilo de você, que é você também, que sou eu, fui
morar lá no rancho dos arquétipos, onde tem néctar de mel, água fresca e uma
sombra brasileira, com rede de chita e tudo. De lá, vê-se a pedra do reino, uns
cariris secos e coloridos, uns reis e uns santos. De lá, vejo você na cadeira
de balanço de palhinha, contando, todo elegante, uma mesma linda estória pra
nós. Um beijo, meu melhor cavaleiro.
Teu,
Matheus
Nachtergaele
Lindo. O século vinte indo embora com tanta gente boa. Dá uma solidão...
ResponderExcluirto tão triste...Suassuna me inseriu no mundo da brasilidade....o Auto da Compadecida me fez ver que poesia tem onde a gente quer ver...e que o sertão e seu povo é pura poética brasileira...sinto-me um pouco órfã...sinto mesmo uma enorme tristeza!!!
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