Reproduzo aqui a bela crônica que Caetano Veloso escreveu para o Jornal Extra, sobre as suas impressões do primeiro jogo da Argentina nesta Copa e da estreia de Messi no Maracanã.
A Copa, os argentinos e o Maracanã
Por Caetano Veloso
Caetano no Maraca - Foto reprodução Jornal Extra |
"Fui com meu
filho mais novo ver Argentina x Bósnia
no Maracanã. Fomos de metrô. A
estação da General Osório estava cheia. Gostei de ver tantos argentinos nas
plataformas. Muitas camisas celeste-e-branco nos vagões (meu filho, admirador
do futebol portenho desde pequeno - quando era fã de Riquelme - e devoto de Messi,
usava uma camisa do uniforme B da seleção argentina) mas foram os mexicanos que
fizeram mais barulho dentro do trem, gritando "México, México"
e girando uma matraca ensurdecedora.
Adorei ir vendo
as estações se seguirem: General Osório, Cantagalo, Siqueira Campos, Cardeal
Arco Verde, Botafogo, Glória, Cinelândia, Carioca, Uruguaiana, Presidente
Vargas, tudo me trazendo à mente as zonas da cidade acima. Não sei se na
Uruguaiana ou na Central (talvez antes), tivemos de trocar de linha, passando
da que vai para o Uruguai para a que vai para a Pavuna. Na espera do trem em
que prosseguiríamos, tivemos um trailer do que a multidão argentina faria no
Maracanã: grupos enormes de rapazes de azul e branco puxando cânticos
lúdico-bélicos com voz mais próxima à de coro de ópera das torcidas italianas
do que das guturalidades bárbaras dos ingleses.
Na estação
Maracanã, um largo rio desse coral dominava a passarela. Já nas arquibancadas,
ouvíamos com emoção os refrãos. Esperávamos alguma torcida brasileira contra a
Argentina. Mas os gritos de "Olê olê olê olá, Bosniá, Bosniá"
só cresceram quando o time argentino pareceu bem menos enérgico do que a
torcida - e os bósnios ameaçaram dominar. O gol da Bósnia encorajou o
narcisismo das pequenas diferenças que alimenta a rivalidade entre argentinos e
brasileiros. Os torcedores argentinos tinham tomado conta do Maracanã desde a
entrada do seu time. O gol contra (será que é a regra nesta Copa?) silenciou os
pouquíssimos torcedores bósnios e os muitos brasileiros que os apoiavam. Meu
filho profetizou que Ibisevic traria
força à Bósnia. E seu gol excitou a torcida anti-rioplatense.
O Maracanã cheio
de argentinos torcendo era uma beleza. Senti a força do sentimento de
nacionalidade como uma coisa que encontra no futebol um canal de expressão sem
vergonha. Meus olhos se encheram de lágrimas. A rivalidade Brasil-Argentina me
fazia sorrir. Uma três vezes pintou eco de começo de briga em algum lugar: os
assentos batucavam com as pessoas levantando-se de repente para ver (e
possivelmente defender-se). Mas nada cresceu. Uns brasileiros à nossa frente,
que vaiavam os argentinos e louvavam a Bósnia, revelaram-se ao substituir a
frase "soy argentino", num cântico, por "sou
vascaíno" - e por dizerem, ao ver que um brigão expulso lá no alto
vestia camisa rubronegra, "só podia ser flamenguista".
O fato é que,
quando os torcedores brasileiros em peso decidiram responder ao "olê
olê Messi" com um "olê olá Neymar", Messi,
que parecia inativo, fez um daqueles gols precisos e surpreendentes que só ele
faz. Ele pareceu instigado. Foi um diálogo Brasil-Argentina de grande
profundidade. No todo, para mim, foi uma experiência exaltante e, de algum modo
secreto, animadora. Há Copa, o metrô anda, muita gente que nem sabe onde fica a
Bósnia gritou o nome desse país, e nossa íntima Argentina chegou a brilhar num
corisco, sem que houvesse tempo e ritmo para que hostilidades brutas
aflorassem. Estávamos longe dos palavrões dirigidos a Dilma no Itaquerão.
Esses, não dá para perdoar."
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