Por Mariza Poltronieri
“O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem”
João Guimarães Rosa
Aurora é a primeira de uma série de nove mulheres. Um nome ao acaso que meu avô escolheu e que poeticamente iniciou uma saga cor-de-rosa. Por sorte deste mesmo acaso, nunca se soube qual seria a última a nascer e esta ganhou um nome cigano, não menos poético, Zairene. Para quem quiser acreditar, o início A, Aurora e o fim Z, Zairene.
Das nove mulheres, Aurora foi a única que não se casou, preferiu ser a tia, com todos os excessos de carinho que alimentam ou estragam. Passou seus 95 anos distribuindo afagos e pitacos, para quem quisesse e para quem não quisesse, assim, de um jeito italiano de ser.
Muitas histórias pitorescas acompanham essa quase centenária senhora, a última delas é que assim como escolhemos uma roupa de festa, Aurora já escolheu sua mortalha, a roupa final de sua existência terrena. Fala nisso com a segurança de quem usou muito bem a vida e dela quer se despedir, com pompa e circunstância. Demos muitas risadas deste assunto.
Tia Aurora |
Durante toda a vida ela trabalhou como um mercador. Vendia sonhos para meninas casadoiras, belas peças que comporiam um pomposo enxoval. Saia de porta em porta, na cidade e arredores, no interior do Rio Grande do Sul, para parlar seu italiano misturado com português.
Conversa boa também se convertia em boa venda. Todos felizes e satisfeitos. Idas e vindas, mala sem rodinhas, vendeu assim até os 82 anos, sem preguiça e muito feliz.A vida da Aurora é como na frase de Guimarães Rosa, multiplicada de coisas boas e ruins, regada de bom humor e cheia de coragem.
Nota do Maranhão Viegas: Mariza acaba de me escrever. E o que ela me escreve é o que me leva a republicar esta postagem, originalmente publicada em setembro de 2011. O que Mariza escreveu está aí abaixo. Meus sentimentos, Mariza. Valeu, Tia Aurora. Descanse em paz.
* Ontem, 29.11.2012, tia Aurora, 96 anos, saiu de cena desta vida.
Sim, a vida dela foi um espetáculo, de drama, de humor, de aventura, de amor. Alguém assim não morre, sai de cena. Beijo tia Aurora, aplausos. Você foi o melhor personagem que essa vida pode ter. Adeus.
Obrigada pelo carinho, pela gentileza.
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