segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Canário zebrado


A casa de meu pai, Inocêncio Viegas, e de minha mãe, Isabel, é uma espécie de porto seguro de todos nós. É sempre lá o endereço que nos socorre nas horas de aperto. Nas férias, meus pais se esmeram em cuidados com as coisas dos outros. Antes, dos filhos. Agora, acrescentados dos netos. 

Este ano não foi diferente. Dudu, filho mais novo de meu irmão Isanor, ganhou um casal de canários australianos. Tinha uma viagem de férias pela frente e não tinha quem cuidasse dos seus passarinhos. A saída? A casa do vovô.

Dudu e o Viegão
Dudu chega e se apressa a perguntar: Vovô, o senhor sabe cuidar de passarinhos? O Viegão, que nunca teve o não como resposta (diz ele que a infantaria tem sempre uma saída pra tudo), apressou-se em dizer que sim, já pensando onde buscaria informações sobre cuidar de passarinhos.

Dudu explicou o presente, fez a entrega, deixou as recomendações de menino – Cuidado pra eles não fugirem! – e se foi, de férias. Uma semana duraria o viveiro improvisado do Viegão.

Mal Dudu saiu e meu pai foi à biblioteca, pesquisar livros sobe pássaros. O primeiro que lhe bateu aos olhos não serviu: Os pássaros, clássico roteiro do filme de suspense de Hitchcock.  Não era bem isso o que os canários do Dudu precisavam.


O fato que é que a semana passou voando. Os canários cantarolando e seu Viegas se esmerando em cuidados. Ao sexto dia, já se sentia um verdadeiro ornitólogo. Ai, teve uma ideia. “ Esses pássaros, nessa gaiola... Precisam de um ambiente mais verde, mais próximo da liberdade, do sol da manhã...” E pensando assim, levou a gaiola para o quintal.

Embaixo do abacateiro, enxergou um galho onde pendurá-la, no meio da copa da árvore. Fez um movimento, pendurou a gaiola e não percebeu ter deixado aberto a portinha por onde fazia a limpeza e alimentava os bichinhos.

Não demorou muito para perceber que um dos pássaros havia gostado muito da ideia. E se mandou. Justo a fêmea. “Não se pode mesmo confiar nas mulheres...” pensou ele em voz alta depois de constatar a fuga. Ao que foi repreendido imediatamente por minha mãe. “Não se pode é confiar em avô que deixa a porta da gaiola aberta”, retrucou Isabel, como quem falasse com o tempo.

E agora?  Dudu chegaria no dia seguinte para resgatar os pássaros. A noite passou bem. Viegas passou mal. Pensando em como resolver aquilo. Teve uma subida de pressão, quase um torcicolo, dores no abdômen e na alma.  Amanheceu com a gaiola no carro e o telefone na mão. Descobriu um lugar que vendia pássaros. Na primeira tentativa, não encontrou nenhum parecido com a canária fugitiva.

Na segunda, encontrou uma loja cheia de canarinhos. Queria uma fêmea. O dono da loja disse que só vendia o par. “E o que é que eu faço? Como vou colocar dois machos e uma fêmea na gaiola do Dudu?” perguntou o ornitólogo de primeira viagem. Não há outro jeito, só vendo o casal, disse o lojista irredutível.

Como a infantaria tem sempre uma solução, Viegão achou a sua: Libertaria o que ficou e levaria o casal novo. O lojista disse que ele não sobreviveria e aceitou cuidar do canário abandonado. Problema resolvido? Nada. O casal novo era um pouco maior do que o que Dudu deixara pro vô cuidar. E a fêmea tinha as penas do rabo um pouco maior e um colorido rajado de preto e branco nas costas. Mas aquilo era o de menos.  

De volta à casa, Viegão dividiu com Isabel a alegria do crime perfeito. Dudu chegou. Beijo na avó, beijo no avô. Cadê meus pássaros, vovô? Estão aqui, Dudu. Um silêncio matador. A gaiola lá em cima. Dudu, aquele moleque arguto de seis anos de idade, parecia um CSI observando a cena.

Pai, me ergue aqui um pouquinho, disse ele ao meu irmão. O avô gelou. Mais perto da gaiola, Dudu fez a primeira constatação: Vô esse canários estão maiores do que quando deixei aqui. A infantaria salvou o Viegão, de novo: “Ah, Dudu, em uma semana, você não imagina como esses bichinhos comeram. Tanto, que até cresceram”.  

Dudu, erguido no ar pelos braços do pai, continuava a investigação silenciosa e desconfiada. Mas, vô, eu deixei um casal amarelo. E agora um deles tem uma listra preto e branco nas costas. Vô, meu canário virou zebra?

Para essa, a infantaria não tinha resposta. Dudu levou os canários pra casa. Está pensando seriamente se vai deixar outras coisas aos cuidados do avô, quando tiver que sair de férias, outra vez. 


Dudu convencendo o seu cachorro
de que é muito tranquilo passar uns
dias na casa do seu avô Viegas.

3 comentários:

  1. Seu Viégas e suas peripécias.
    No domingo pela manhã chegamos da tão prazerosa folga de ano novo e fomos direto para a casa do Seu Viégas.
    Quando chegamos na casa do Pai notei que o pai estava de "papo inchado", sinal fisico que o denuncia quando está muuuuuuito preocupado com alguma coisa .
    O Dudú logo fez o ritual costumeiro :
    -"bença Vó, bença Vô"... onde estão meus passarinhos?
    Nessa hora o silêncio foi profundo e os olhares trocados entre o pai e a mãe foram dignos de filmes de suspense, mas o pai logo respondeu : Estão no quintal Dudú, pendurados no abacateiro.
    Eu sem saber de nada segui com o Dudú para o quintal para ver os passarinhos.
    Quando chegamos lá o Dudú soltou o primeiro comentário:
    Vovô o rabo do meu passarinho cresceu , ele era bem pequeno .
    O avô mais que rapidamente respondeu : é Dudu, eles comeram muito e as penas mudaram, cresceram e ficaram até mais bonitas.
    Dudú continuou a analisar os bichinhos , e eu a mãe e o pai , saimos para ver algumas plantas no quintal .
    De repente o Dudú lá debaixo do abacateiro meio que surpreso meio que inconformado ainda analisando os passarinhos solta para o avô:
    Vovô meu passarinho virou zebra, ele tá cheio de listras !!!
    Seu Viégas que já tinha saído de perto de fininho não se aguentando de tanto rir confessou o crime para mim e aí então foi me contar toda a história e o seu sofrimento para não desapontar o neto com a fuga da periquitinha.
    Passou a noite sem dormir preocupado com a reação do Dudú pois não queria desapontá-lo já que o Dudú antes de deixar os passarinhos tinha se certificado perguntando Vovô o senhor sabe cuidar de passarinhos ???
    É isso aí seu Viégas , como diria um amigo meu "a natureza não dá saltos " e o rabo desse passarinho cresceu rápido demais .
    Dessa vez deu zebra!!!

    O cachorrinho da foto com olhar sereno e matreiro deve estar pensando:
    Se aconteceu essa transformação com os passarinhos, eu é que não vou arriscar ficar lá , vai que sobra pra mim também e eu acabo virando Lassie , tô fora !!!!

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  2. A história do seu Viegas deu duas versões. Adorei as duas. Deliciosamente alegres. Inclusive com final feliz, para neto e avô.

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