domingo, 10 de maio de 2020

Diário de pandemia - domingo - 10.05.2020

Puçás



A vida inteira vi meu avô tecendo redes de pescar. Puçás, como se chamam essas redes em Alcântara, lugar de seu nascimento, no interior do Maranhão.

Era um ritual contínuo, cadenciado e silencioso. As mãos íam e vinham, num bailado suave e preciso. Enquanto as horas passavam nas tardes de meu avô. Linhas de náilon, aos poucos, tomavam forma de instrumento de pesca. A transparência do novelo, a dança certeira e ritmada da agulha,  carecia da destreza do pescador para vencer o jogo com o mar e tirar dali o alimento, em forma de peixe. Pequenos milagres cotidianos.

Nunca vi meu avô lançar uma rede ao mar. Mas nunca foi preciso ver.

A exatidão dos nós ao tecer, a firmeza das mãos naquelas linhas, me davam a certeza de que havia ali um entendido de marés.

Meu avô passou boa parte  da vida longe do mar.
Hoje, tenho a consciência de que o mar nunca se afastou dele.

Opílio Viegas, meu avô.
No nosso último encontro em sua ilha, São Luis. 

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