domingo, 3 de maio de 2020

Diário de pandemia - Deus é que sabe



Que dia é hoje?

A pergunta tornou-se usual, frequente, persistente, insistente, nesses dias de pandemia. É como se tivéssemos perdido a noção do tempo. E acho mesmo que perdemos. Em tempo de pandemia, vamos descobrindo como é viver o comedimento. Sobreviver com o pouco, reconhecer e respeitar os limites. 

No caso do tempo, tenho a sensação de que abrimos mão, sem querer, do calendário. Tornou-se obsoleto. Ou, adotamos por descuido, quem sabe, necessidade, uma versão mais simplificada. Meu tempo agora, por exemplo, cabe muito bem em três estágios: um ontem, um hoje e um amanhã. Agradeço e dispenso o excesso. Me encaixo ao resumo. Um tempo desmedido, sob medida.  

Está mais curta a respiração (mais anchos só mesmo os suspiros). Estão mais curtos os passos. Os gestos, menos efusivos do que foram a vida inteira. Acabrunhamos. Nos reservamos a distância medida. Nos abraçamos com olhares. Nossos olhos por trás das máscaras resguardam sorrisos e choros. Por vezes, entristecemos; por vezes, emocionamos. 

Volta e meia me assalta a pergunta: Que dia é hoje? E meu pensamento voa.  

Podia ser um dia qualquer. Com o sol brilhando lá fora. Com pássaros invadindo a manhã. Com as ruas cheias. Enxames de gentes e carros. Alguém tomando decisões. A vida virando do avesso. Um dia com flores no jardim, água corrente, balão solto no ar, velas ao vento e bicicletas na ladeira. Um dia qualquer. Um domingo qualquer.

Sem resposta imediata, abro a caixa de mensagens. Brilha um sinal. Tem nova. Roberto Além Rojo, meu compadre, cineasta boliviano, que foi pego de surpresa pela pandemia no coração da África, me manda poesia em forma de imagem. 

Mal sabe ele, com uma possibilidade real de resposta à minha pergunta: que dia é hoje?
Na imagem que recebo, homens expostos ao mar azul do Pacífico, ocupam um barco onde se lê a resposta que peço, quase em oração: "Deus é que sabe".


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