sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

An - O sabor da vida


Acabo de sair do cinema.
Um presente de quase duas horas que me dei.
Dessas horas que a gente rouba do dia, por puro prazer,
para ser um cadinho feliz. 
Assim, foi. 
Assim, fui ao cinema.

Nem sabia direito o que assistir. Fui às cegas, mas fui ao cinema que
mais gosto de frequentar, o Cine Cultura, no Liberty Mall. 

Nesse horário, às três horas da tarde, somos eu e um bando de velhinhas bem vestidas, 
cheirosas, elegantes e distintas. Elas quase nunca são as mesmas. Embora, muitas vezes, queira me
parecer que elas me mirem com uma cumplicidade de amigos de infância.
(Neste caso, de jardim de infância).

Entre as possibilidades de horário, havia um filme que, por coincidência, 
eu queria há muito assistir. Um filme de uma diretora japonesa, Naomi Kawase. Essa da foto, ai embaixo.
Naomi Kawase
Sei pouco sobre ela. Nada além do que as páginas oficiais dizem. Sei que ela nasceu em Nara, no Japão, em 1969 e foi casada com um outro cineasta japonês. No ano passado, dirigiu esse filme "AN - O sabor da Vida", que teve uma belíssima aceitação no Festival de Cannes.

O filme é uma delicadeza.
Trata de uma forma sensível algo que muita gente já fez: usar a comida para abordar temas humanísticos, para contar histórias pessoais, sem pieguice. Eu conhecia nada da filmografia de Naomi, mas pelo visto, ela usou toda a sensibilidade para dirigir este. E conseguiu. Foi de extrema competência.

Cartaz original do filme
A história se passa entre um pequeno empresário, vendedor de dorayaki, uma espécie de panqueca, recheada com uma pasta de feijão vermelho, doce (o AN, do título original do filme) e uma senhora de 75 anos.

Ele, entristecido por ser escravo do trabalho. Ela, entristecida por não ter nada a fazer. Ela pede trabalho pra ele. Quer ajudar na cozinha. Ele reluta, mas aceita depois de provar a pasta de feijão que ela faz e constatar que é muito melhor que a que ele faz.

A partir dai o filme acrescenta os dramas pessoais de cada um deles. Ela é uma das milhares de vítima da hanseníase do Japão pós-guerra. Fruto de várias gerações que sofreram preconceito até há bem pouco tempo.

Ele tem uma tragédia no passado que o fez cumprir uma pena e tornar-se devedor ao dono da loja em que ele é gerente.

Em meio a isso tudo, a juventude de estudantes japoneses, a leveza dos pássaros e a espetacular lindeza das cerejeiras. Misture com uma trilha sonora comovente e está ai o belo filme.

No seu ritmo e na sua doçura, nos faz impossível conter algumas lágrimas. As velhinhas que estavam atrás da minha poltrona molharam uns quantos lenços.

Eu sai recompensado por ter roubado essas horas pra mim e por ter acertado na escolha do filme. Tendo oportunidade, assista. Você vai adorar, eu aposto. Pela magia das soluções orientais, pela paciência do fazer a comida, pelo equilíbrio entre vida, alimento, natureza e morte. Pelo sabor que a vida ganha com isso.


Um comentário:

  1. Seu relato, por si, já dá um adorável sabor a vida!!
    O sabor das suas palavras, do seu olhar para as senhorinhas, para o filme!! Obrigada pelo sabor que você adiciona a vida com seus temperos delicados! Abraços!

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