domingo, 24 de janeiro de 2016

A beleza, o estranho e o afeto


O que é a beleza? E o estranho?
Nossos olhos acostumaram-se a um tipo de belo. E, ao resto, tudo é feio. Ou, estranho. Ou, causa repulsa.

Sexta à tarde, eu e meu irmão, Iram, almoçávamos e falávamos da vida, de suas feiúras e belezas. Até que nos decidimos pelo "sequestro" de meu pai e minha mãe por algumas horas. Dessas decisões que surgem do nada e caem como uma luva em horas roubadas. Eles jamais esperavam uma investida dessas, sem preparação anterior, sem rito, sem combinação.

Um telefonema, um aviso... Melhor, um comunicado e em pouco tempo, lá estavam os dois angustiados pra saber onde os levaríamos.

Foi divertido vê-los "chutando" possibilidades. Meu pai, que só pensa em comida, chutava nomes de restaurantes. mas era sexta-feira e o horário estava entre o almoço e o jantar. Pouca chance, minha mãe dizia.

Entre o comunicado por telefone e a nossa chegada à casa deles, a angústia pra saber o programa falou mais alto e minha mãe ligou para a nossa irmã. pra, quem sabe, descobrir uma pista. "Tiro n'água". Isa não sabia de nada.

O mistério se desfez quando nos aproximamos do CCBB. Nosso destino era a exposição ComCiência, da australiana Patrícia Piccinini. Nela, seres imaginários tomam forma. Homem-animal-vegetal fundidos em um ser só. Em vários seres. Mutantes estranhos e afetuosos. Difícil de decifrar e traduzir, na forma. Fácil de compreender no olhar.
A grande mãe
O visitante

A esfinge

No começo, minha mãe se assustou com algumas coisas. Meu pai também. Seus olhares não estavam acostumados aquela provocação.

  • Tão difícil definir entre o belo e o assustador! 
  • Será que são meus olhos de desentender? 
  • São monstros?
  • Vão fazer algum mal?
  • Mas tem um olhar tão humano, tão doce!
E ai estava a questão. Os pelos exagerados, em locais inusuais, as garras gigantes, os corpos meio-humano, meio-animal, aos poucos se equilibravam numa sensação de que algo tranquilizador era mais forte que o medo. 

O golpe
A confortadora

Pois bem, a cada peça, uma descoberta. Até que aconteceu a melhor coisa: Sim, sem que houvesse planejamento ou combinação, nossa ida à exposição coincidiu com o momento em que a própria criadora, Patrícia Piccinini, falava sobre a sua criação a um conjunto de jovens monitores. 
Patricia Piccinini
Ao fundo, Patrícia fala sobre a sua obra a um grupo de monitores.
E nós, entre eles. 

Era um treinamento de primeiro dia de exposição. Depois disso, são esse monitores que vão traduzir parte do sentido daquelas peças aos surpreendidos visitantes. 

Que sorte a nossa. Horas roubadas com nossos pai e mãe. Horas de compartilhamento entre a nossa beleza e a beleza imaginária de um mundo que não estamos acostumados a ver. Horas de vida ganhas ao sabor do acaso. 

Ao final, depois de seguir Patrícia em várias de suas paradas e ouvir de sua própria voz a explicação de cada sentido, paramos diante de uma imagem de um menino e amigo-monstro-imaginário. E ali, ela traduziu a peça como o melhor retrato da intimidade. E em suas palavras nos disse que seu entendimento de amor é a capacidade que cada um de nós tem de se permitir ser amado, por quem quer que seja, da forma que seja, sem barreiras. 

Quando as pessoas se afastaram um pouco, cheguei perto dela. Uma artista acessível, simples, encantadora. Trocamos umas poucas palavras e eu lhe disse que tinha ficado feliz com a sua definição de amor. Que ela era perfeita. 
Sorte de principiantes, carinho da expositora.
E lhe apresentei meus pais. Ela demonstrou uma alegria verdadeira em vê-los ali e os cumprimentou, carinhosamente. Meu irmão e sua máquina registraram o nosso encontro. 
Viegão, Isabel e Iram, meu irmão. 
As fotos que ilustram essa postagem são dele, exceto essa última, que é da minha safra. A alegria de um programa inesperado, em companhia dos velhos, é nossa. Beleza casual da nossa vida. É o que vale. 

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