Querida mamadhi!
(Parece uma bobagem. Mas desde que aquela novela, gravada em parte na Índia, passou na TV, Mariana me chama de papadhi e eu retribuo. Não importa a tradução, não tem valor literal. Importa o significado do gesto carinhoso. Isso é dela e é meu. Uma bobagem carinhosa.)
Você não pode ir ao show do
Paul McCartney, como tanto havíamos planejado. Sua angústia, disfarçada de labirintite, não deixou. Mas você esteve lá comigo o tempo todo. E eu te conto agora como foi.
Naquela tarde de domingo, chovia a cântaros em Brasília. Eu, sua mãe e seu irmão levamos capas de chuva. Seu irmão não usou. Estranhamente, a cidade estava úmida e alegre, ao mesmo tempo.
Não foi difícil entrar no
Mané Garrincha. De repente, ele começou a se encher de gente. Um barulho de formigueiro. Formigas humanas exaltadas, quase em êxtase, pela possibilidade de ver ao vivo a parte mais buliçosa e criativa que restou do
The Beatles. Paul é isso e muito mais.
O tempo foi passando e Paul demorou a entrar. Houve uma certa impaciência, a ponto de fazer soar algumas vaias. Mas era o Paul quem viria por ali e isso lhe dava algum crédito no atraso. Enquanto ele não vinha
Gabriel, seu irmão, me confessou que estava lá um pouco por mim. Nem era tão fã assim dele. E também para poder dizer um dia que viu um show de um
ex-Beatle, o que até pra ele, é um privilégio. Ouvi quieto, com a certeza de que ele se surpreenderia ao final.
Quando o relógio bateu uma hora e dez de atraso, as luzes anunciaram a entrada de Paul em cena. Atraso? Que atraso?
Magical Mistery Tour abriu o show que iria nos tirar o fôlego, várias vezes, a partir dali.
Mamadhi, foi incrível. Um desfile de 39 músicas. 25 clássicos dos Beatles. Incluindo
Get Back. Entre uma e outra, Paul mostrou porque permanece no topo há tanto tempo. Mesclou músicas novas e antigas sem que a nova geração percebesse a diferença entre o velho e o novo.
Eu percebi e me emocionei quando ele tocou quatro músicas do disco
"Band on the Run", o primeiro gravado depois de deixar os Beatles, em 1973. Eu sabia de cor e salteado aquelas músicas. Elas fizeram parte da trilha sonora da minha adolescência e eu tenho aquele disco entre as "raridades" que guardo em vinil. São músicas antigas que carregam um frescor juvenil, ainda hoje. E tem o timbre inconfundível dos
Beatles em seu DNA.
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George Harrison |
Por duas horas, ele engatilhou uma música na outra, um sucesso ao outro, sem nos deixar tomar fôlego. Nesse tempo, não se afastou do palco para tomar sequer um copo d'água. Tudo o que fez foi trocar de instrumentos. Várias guitarras, baixo, violão, piano e até um
"ukekelê" com o qual ele segurou, por eternos dois minutos, uma homenagem ao amigo
George Harrison, cantando
"Something".
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Ele se surpreendeu. Eu compreendi. |
Uma multidão de pequenas luzes de celulares tomou conta e iluminou o Mané Garrincha já aos primeiros acorde de
"Let it Be". Foi lindo. Sua mãe se emocionou. Eu me emocionei. E seu irmão… Bem, a uma certa altura seu irmão agradeceu por ter ido, emocionado e feliz. Nos entreolhamos com carinho e com olhos de
"eu sabia que isso ia acontecer".
A força bruta do show explodiu com
"Live and let die". Literalmente, uma explosão de som, imagens e fogos de artifício. Uma apoteose que faria até
Joãozinho Trinta chorar de emoção.
Paul interrompeu o show quando as duas horas se completaram. Um falso fim. O povo não arredou o pé. Ele voltou ao palco outras duas vezes para completar quase três horas de espetáculo. O tempo todo, se esforçando em um português limitado e gentil. O estádio quase veio abaixo com 46 mil pessoas cantando
"Hey Jude".
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Minha mamadhi |
Você não foi,
Mamadhi.
Mas esteve lá o tempo todo comigo. Eu vi e ouvi o show como quem se reencontra com o tempo.
Paul tocou as músicas de minha infância. Justo aquelas que ele cantava com os Beatles e eu ouvia pelas ruas de São Luis, enquanto voltava da escola pra casa.
E eu que não tive a chance de ver os Beatles, ao vivo, sou um ser humano mais feliz por esse encontro.
Eu, você e
Sir Paul McCartney. For ever.
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