sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O peixe vivo


Foto de Marcos Amend

O tempo no nordeste é inverno. As nuvens de chuva ficam ali, olhando pra  a gente, como quem diz: Põe o pé na rua que eu deságuo. Mas, nem isso soa como ameaça. Neste lugar, as horas começam cedo, passam como lesmas em pedra nova, sem compromissos de chegar. Tudo aqui carrega um pouco de poesia.

Visto meu tênis, ponho o calção e vou correr na praia. O mar aberto e a ausência de gente me faz achar que sou dono do meu tempo. O mar reduz a margem de areia e amplia o horizonte da mente. Avança sob meus pés, brinca comigo uma brincadeira de vai-e-vem. E eu me distraio. Corro por prazer e alegria. Não sinto dor no corpo, mesmo fazendo mais força pra correr.

De repente, vejo algo saltando num balé de alegria (ou desespero). Me aproximo e vejo um peixe novo. Se fosse gente, teria só uns dezesseis anos, um adolescente. Tem os olhos bem abertos, pula como se quisesse alcançar o mar, mas está na areia.

Me dou conta de que a euforia dele tem um quê de desespero. Veio numa onda que o deixou e foi-se embora, antes que ele (o peixe novo) pudesse entender o risco que corria – ficar sozinho, fora d'água. Não custo a perceber: Aquele peixe foi enganado por um drible do mar. A brincadeira virou risco de vida. E eu, sua única chance de sobrevivência.

Me aproximei, tomei-o nas mãos e ele se acalmou. Caminhei em direção ao mar. E num gesto, devolvi-lhe à vida. Antes de seguir, o peixe ainda saltou duas vezes – acho que ele não acreditava ter uma segunda chance. Se fosse um adolescente teria dito: "Valeu, tio!"

A poucos metros dali, depois de uma ponta de areia, um pescador em sua rede de pesca nas costas contemplava o mar. Impávido. Com se ouvisse uma sinfonia silenciosa. Com um olhar cúmplice e respeitoso, de quem entende - existe hora certa para lançar-se ao mar.

Como se soubesse, ali brincam peixes adolescentes. Desses que, por vezes, se arriscam a tomar um drible do mar e acabam ficando fora d'água. Eles, os peixes novos, ignoram que sair do mar também exige ciência. Vez por outra, um encontro casual devolve à vida os mais ousados. Hoje, foi comigo. Deu peixe em minhas mãos. Na rede do pescador, não. 

P.S.: A foto que ilustra este texto foi gentilmente cedida por Marcos Amend. Tendo oportunidade, visite a página dele e descubra um belo trabalho de fotografia que ele faz.  

Um comentário:

  1. A coragem pueril dos jovens é, as vezes, um perigo. Um "tio" por perto é sempre bom. Lindo texto Maranhão.

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