quinta-feira, 16 de maio de 2019

Short Cuts de maio – 16


O abraço



O sol não saiu às primeiras horas do dia. Quinta-feira de maio. Dia preguiçoso, cinzento. Outono desajeitado no Planalto Central do Brasil. A chuva de ontem à noite, extemporânea, deixou o asfalto úmido. O tempo anda estranho, mesmo.

Sigo meu caminho. A certa altura, avisto de longe um abraço luminoso. Meus olhos se afastam do resto. Num zoom, me aproximam da cena. O uniforme é de um gari. A mulher atravessava a rua. Custo a compreender aquilo. Mas abraço quente dispensa compreensão. É abraço.

O caminhão de lixo segue sem esperar o gari. Ele sorri. Ela sorri. Se abraçam novamente. Tem alegria, tem conhecimento, tem intimidade. Fica nítido que ele trocou a distância do carro de lixo por um abraço. Fica claro que ela se satisfez com o encontro inesperado.

Ela compartilha com ele um copo de café. Ele bebe. Se despedem. Ela fica com o rosto iluminado de alegria. O gari corre. Numa satisfação que dá pra ver de longe. Alcança o carro de lixo.   

O tempo anda estranho. Mas não há estranheza que resista à alegria de um abraço sincero. De um afeto, de uma quentura. A vida segue.

Nossa senhora da Exibição



Nunca pus no ar um telejornal sem evocar as bênçãos de “Nossa Senhora da Exibição”. Exibição, que fique claro aqui, não de ser exibida, mas de mostrar o melhor possível do nosso trabalho. Muita gente estranha, mas não diz, nem pergunta nada. Ninguém contesta. A maioria aceita o meu dito, talvez, com receio de – desacreditando – atrair maus fluidos. Nas poucas vezes em que Manuela Castro, amiga querida e excelente jornalista, apresentou telejornais sob meu comando, ela, sim, sempre perguntou: Essa santa existe? E a minha resposta sempre foi afirmativa, sem titubear: Sim. Ela existe.

Manu, no seu jeito escrachado de ser, sempre duvidou, sem desacreditar. Mas nunca se satisfez com a minha resposta. Até o dia em que construiu, ela própria, a sua interpretação daquilo que eu dizia. No entender dela, a minha “Nossa Senhora da Exibição” é na verdade católica ninguém menos que Santa Clara, protetora dos jornalistas.

Não sou católico praticante. Professo uma fé pessoal e intransferível que aceita boas energias de muitos credos. Aliás, devo dizer que convivem em meu santuário pessoal, em absoluta harmonia (diga-se de passagem) Jesus, Maria e José, atravessando o deserto; Xangô; Fernando Pessoa; Iansã; Buda; Eduardo Galeano; Ganysha; Ogum e São Francisco. Formam em silêncio circunspecto o meu primeiro time de acompanhantes-protetores.

Eu sempre me alegro das coisas simples. Despretensiosas. Que dão um sentido lúdico à vida. Brincando, reforço a minha fé. Distribuo um pouco de leveza aos que me rodeiam e me sinto mais protegido.

Em tempos estranhos, como os que vivemos agora, toda proteção é bem-vinda. E a leveza com as coisas da vida, fundamental.

2 comentários:

  1. Sinto imensa alegria ao ler o que escreves. Arte precisa ser divulgada e convenientemente apreciada.
    Num mundo carente de sensibilidade como o nosso de hoje, teus escritos são um bálsamo para a alma.

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  2. Viva Nossa Senhora da Exibição e Santa Clara! 😘

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