O abraço
O sol não saiu às primeiras horas do dia. Quinta-feira de
maio. Dia preguiçoso, cinzento. Outono desajeitado no Planalto Central do
Brasil. A chuva de ontem à noite, extemporânea, deixou o asfalto úmido. O tempo
anda estranho, mesmo.
Sigo meu caminho. A certa altura, avisto de longe um abraço luminoso.
Meus olhos se afastam do resto. Num zoom, me aproximam da cena. O uniforme é de
um gari. A mulher atravessava a rua. Custo a compreender aquilo. Mas abraço quente
dispensa compreensão. É abraço.
O caminhão de lixo segue sem esperar o gari. Ele sorri. Ela
sorri. Se abraçam novamente. Tem alegria, tem conhecimento, tem intimidade.
Fica nítido que ele trocou a distância do carro de lixo por um abraço. Fica claro que ela se satisfez com o encontro inesperado.
Ela compartilha com ele um copo de café. Ele bebe. Se
despedem. Ela fica com o rosto iluminado de alegria. O gari corre. Numa
satisfação que dá pra ver de longe. Alcança o carro de lixo.
O tempo anda estranho. Mas não há estranheza que resista à
alegria de um abraço sincero. De um afeto, de uma quentura. A vida segue.
Nossa senhora da Exibição
Nunca pus no ar um telejornal sem evocar as bênçãos de “Nossa
Senhora da Exibição”. Exibição, que fique claro aqui, não de ser exibida, mas
de mostrar o melhor possível do nosso trabalho. Muita gente estranha, mas não diz,
nem pergunta nada. Ninguém contesta. A maioria aceita o meu dito, talvez, com
receio de – desacreditando – atrair maus fluidos. Nas poucas vezes em que Manuela Castro, amiga querida e excelente jornalista, apresentou telejornais sob meu comando, ela, sim, sempre perguntou: Essa
santa existe? E a minha resposta sempre foi afirmativa, sem titubear: Sim. Ela
existe.
Manu, no seu jeito escrachado de ser, sempre duvidou, sem
desacreditar. Mas nunca se satisfez com a minha resposta. Até o dia em que
construiu, ela própria, a sua interpretação daquilo que eu dizia. No entender
dela, a minha “Nossa Senhora da Exibição” é na verdade católica ninguém menos
que Santa Clara, protetora dos jornalistas.
Não sou católico praticante. Professo uma fé pessoal e
intransferível que aceita boas energias de muitos credos. Aliás, devo dizer que
convivem em meu santuário pessoal, em absoluta harmonia (diga-se de passagem)
Jesus, Maria e José, atravessando o deserto; Xangô; Fernando Pessoa; Iansã;
Buda; Eduardo Galeano; Ganysha; Ogum e São Francisco. Formam em silêncio circunspecto o meu primeiro time de acompanhantes-protetores.
Eu sempre me alegro das coisas simples. Despretensiosas. Que
dão um sentido lúdico à vida. Brincando, reforço a minha fé. Distribuo um pouco
de leveza aos que me rodeiam e me sinto mais protegido.
Em tempos estranhos, como os que vivemos agora, toda proteção
é bem-vinda. E a leveza com as coisas da vida, fundamental.
Sinto imensa alegria ao ler o que escreves. Arte precisa ser divulgada e convenientemente apreciada.
ResponderExcluirNum mundo carente de sensibilidade como o nosso de hoje, teus escritos são um bálsamo para a alma.
Viva Nossa Senhora da Exibição e Santa Clara! 😘
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