Visagem

Daísa (a primeira, da esquerda para a direita)
e algumas de suas alunas de balé. 

Desembarco em Maringá. E, de imediato, recebo uma encomenda literária de Daísa. Ela é dona de uma escola de balé e a cada fim de ano, encerra os trabalho com um espetáculo de quase duas horas. É uma espécie de batismo para as novas turmas e confirmação do talento das mais experientes.

Este ano, o balé foi montado com o tema "assombrações". Uma brincadeira séria, que aproxima o místico do lúdico e enche os olhos do público com cenários, trilhas sonoras e figurinos de grande categoria. Daísa me pede que eu faça o texto de abertura do espetáculo. Desafio bom.

Numa sentada, enquanto ela falava, pensei em meus próprios fantasmas de infância e o texto saiu como está escrito ai embaixo.

Cartaz do espetáculo 2013 da academia de Daísa. 

Visagem.

Minha infância  foi povoada por essa palavra que significava, na minha cabeça, assombrações e fantasmas. As crianças morriam de medo de “visagens”. Eu mesmo, muitas vezes, morri de medo das visagens que nunca vi, mas que tinha certeza, elas existiam. Mais do que medo, respeito. Respeito com o que eu não alcançava entender.

O medo imaginário, quando a gente é criança, serve para brincar e para impor limites. Era assim na nossa infância. Tínhamos medos e respeitávamos limites. Mas tínhamos, sobretudo, a brincadeira como veículo da nossa imaginação. 

Na medida em que crescemos, nossa imaginação foi acrescida de outras visagens. O saci, o curupira, a mula sem cabeça. Assombrações de um universo folclórico brasileiro que misturavam o fantástico a um ambiente muito mais próximo da nossa realidade. Nossas florestas, nosso campo, nossas ruas brasileiras e suas visagens.  

Mas o mundo foi mudando. E em nosso universo de gente grande outras visagens foram tomando conta da nossa vida. Não mais os medos de criança. Os medos de adulto. A origem francesa da palavra – visage – nos remete à palavra rosto, numa tradução literal.

O espetáculo de hoje trata de lidar com o imaginário coletivo, o lúdico das crianças e o resgate desse espírito brincalhão em que fantasmas e assombrações servem mais para divertir e encantar do que para assombrar e tirar o sono.

No mundo moderno o que nos assombra não são os fantasmas imaginários. O que nos impõe medo e dor são a injustiça, a miséria, a guerra, as drogas. Esses são os fantasmas contra os quais milhões de pessoas no mundo lutam.

Uma luta que nem sempre é fácil de ser vencida. Contra a qual é preciso manter viva a esperança, a persistência e o amor.

A partir de agora vocês estão todos convidados a dividir conosco o sonho de um universo fantástico em que as assombrações e fantasmas nos tornam crianças de novo. Nos roubam da dureza cotidiana de um tempo veloz e nos remetem a um sopro de fantasia onde tudo é possível. Inclusive, e essencialmente, o amor.