quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Histórias da Madre D’eus II


O Boizinho, a cara da Madre D'eus.
A festa era na casa de meu primo Jorge. A casa dele, aliás, era uma festa. No carnaval, Jorge  organizava um bloco de rua. No São João, Jorge ajudava a organizar o “Boizinho Barrica”. No natal... ah, nem sei, mas Jorge organizava, sempre,  algum tipo de festa, o ano inteiro.

Naquele ano eu reencontrara Jorge. Havia cinco anos, eu morava fora e São Luis era só uma lembrança. A Madre D’eus, uma dor no peito, um dia de chuva. E meus amigos de infância, uma saudade imensa. Jorge, entre eles.

Naquele ano, voltei para estudar e morar com meus tios. A casa deles era no Beco do Seminário, atrás da Igreja de Santo Antônio. Mas eu vivia na Madre D’eus. As distâncias daquela época não são como as distâncias de hoje. Tudo parecia mais perto. Caminhar era escorregar o tempo pelas calçadas, descansando os olhos nas portas e janelas entreabertas daquelas ruas coloniais.

Naquela festa, naquela noite, meu olhos foram dar em uma menina. E os dela em mim. Éramos duas crianças recém ingressadas na adolescência. Naquela noite, falamos pouco e passamos boa parte do tempo dançando.

Ao fim da festa, ela me acompanhou ladeira acima, em direção aonde um dia foi a minha casa, a casa onde eu sempre morei, desde que nasci. Ali, em frente ao número 93, da Rui Barbosa, no Largo da Madre D’eus, havia um banco no meio do canteiro. Foi onde sentamos. Havia uma lua imensa e quase ninguém na rua.

Flamboyant
Naquele tempo não havia espaço para o medo. Não havia temores ou assombrações. Havia um certo silêncio quebrado apenas pelo barulho do vento nas folhas do Flaboyant. O mesmo em que eu subia quando era criança. O mesmo da porta de onde um dia foi a minha casa.

Ela segurou em minha mão. Nossos olhos brilharam um brilho intenso. E nos beijamos. Pouco ou nada foi dito. Mas ela compreendeu que aquela noite, aquele lugar, aquele encontro, enfim, nos tornavam especiais. Era a porta da casa onde um dia eu nasci.

A vida tratou de nos afastar. Seguimos, cada um por um lado do mundo. As ruas da Madre D’eus sobram em mim como Itabira sobrava em Drumond – (é só uma fotografia na parede, mas como dói). Mas aquela menina terá sido para sempre a primeira pessoa a segurar minha mão e me beijar ali, bem em frente à casa onde eu sempre morei. 

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