domingo, 18 de novembro de 2012

Como se fosse pra Margot

Margot,
como se estivesse aqui.

Desde que Margot morreu há um  vazio em meu peito.

Há dias penso nela. Na saudade que a ausência dela produz. E acho que tenho que conversar com ela de alguma forma. Hoje, criei coragem.

Dias destes, Rodrigo Teixeira escreveu um texto depois de ter visto o filme “Gonzaga – de pai para filho”. Me lembro dele ter dito que chorou ao fim do filme, por conta da reconciliação entre um e outro. Por conta da forma como aconteceu.

Hoje, dia de desastres em casa, fui salvo por um convite – Vamos ao cinema? Aceitei. Fui.

Gonzaguinha significava mais, pra mim, do que Gonzagão. Desde sempre. Quando me entendi por gente, ele – Gonzaguinha – já falava a minha língua. A da poesia. Gonzagão era só uma imagem e um som. Uma referência de raiz.

Durante a faculdade, uma das minhas grandes “virtudes” era cantar no mesmo timbre nordestino do Gonzaguinha. E eu tinha chão pra isso. Vinha da mesma região, tinha a mesma magreza, a mesma tristeza nos olhos. E o mesmo encantamento pela vida.

Havia uma menina, a Magali Gomes, que sempre me pedia pra cantar uma música de Gonzaguinha. E eu sempre cantava. Pra mim, era um tempo de descobertas. Mundo novo. Agonia interior pelo que haveria de vir. Pelo desconhecido.

Hoje, no cinema, isso tudo veio, de volta.

Gonzagão e Gonzaguinha
O filme começa com um pensando no outro. E termina com um admirando o outro. Respeitando o outro. E com os dois saindo de cena quase ao mesmo tempo.

Se Margot estivesse viva, eu certamente estaria ligando pra ela pra falar do filme. Como fiz muitas vezes. Quando li um livro, quando vi um filme ou quando ouvi uma canção.

Hoje eu diria assim:

Querida Margot, se você ainda não viu, precisa ver esse filme.
E ela, do outro lado do telefone, diria – Maranhão! Vou ver, claro que vou.

O tempo inteiro, a música dos dois permeia a vida. Uma música costurada de vidas. Ou, duas vidas costuradas pelo som. Ao gosto do freguês.

O fato é que, hoje, compreendo melhor. Cada um tinha suas razões para ser como era. Gonzagão desiludido pelo binômio preconceitual – preto e pobre. Gonzaguinha desiludido pela sensação de abandono. Onde essas duas estradas se cruzariam? Muito tempo depois. Doses cavalares de solidão e angústia depois.

A vida imitando a arte.
Mas eles se encontraram. E o filme é bom por isso. Alguém vai dizer – é clichê demais. E daí? – Eu pergunto. Um clichê que funciona e que, mais do que “Lula – o filho do Brasil”, pode ser, de fato, candidato a um Oscar.

No transcorrer do filme, as músicas da minha vida, na voz do Gonzaguinha, vão ganhando sentido. “Quando eu abrir a minha garganta, essa força tanta... E se eu chorar e o sal molhar o meu sorriso... Não se espante, cante, que o teu canto é a minha força pra cantar...” E por aí foi. O filme inteiro.

Até o momento em que Gonzaguinha, reconciliado com a vida e com o pai,  anuncia Gonzagão. A frase do filme é a frase da vida real. Eu fui invadido na memória. O texto veio inteiro e eu me lembrei daquele dia, daquele show, daquele encontro. Ou reencontro, dos dois.


Rodrigo tinha razão. O texto e o filme fazem chorar.
Margot, como eu queria que você estivesse aqui.      

5 comentários:

  1. Maranha, o filme fica ainda mais bonito depois desta sua cronica. Queria ser a sua Margot...
    Mas não mereci!

    Questão de Fé
    Gonzaguinha

    Cidades, lugares, pessoas, saudades,
    Lembranças, estradas, bandeiras,
    Amigos, irmãos, companheiros, comparsas
    Do bando, da vida guerreira

    A força do teu coração é a força do meu coração
    Nossa voz, estamos todos pelaí
    Questão de fé

    O abraço apertado, o beijo na boca,
    O brinde ao sangue e ao suor
    Os olhos nos olhos, sorrindo, chorando
    Na dança da cor e do amor

    A força do teu coração é a força do meu coração
    Nossa voz, estamos todos pelaí
    Questão de fé

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  2. Sinto uma profunda identificação quando ouço Gonzagão. Tem um 'quê' de sertão mineiro. Não por acaso é de Hervê Cordovil, que ainda bem moleque chegou de Viçosa, sua cidade natal, a minha querida Manhuaçu, a música "Vida de viajante".

    Nessas andanças jornalísticas e da vida, a gente também vai levando "a saudade no coração", como bem sabes, estimado Maranhão. E como disse Charles Baudelaire no poema “Le Voyage” (A Viagem): “Aux yeux du souvenir que le monde est petit!” - “Aos olhos da saudade, como o mundo é pequeno!”.

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  3. Ler você é responder aos nossos olhos, ouvidos, coração, o que eles viram, ouviram, sentiram.
    A saudade de Margot passa a ser a saudade de muita gente que guardamos no tempo e na lembrança. Numa licença poética, é só trocar os nomes.
    Deliciosamente lindo seu texto.

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  4. Celene, querida. Você é especial sim e merece todo o meu carinho. Lauro, meu amigo, obrigado pelas palavras e pela memória sertaneja. Mariza, você tem toda a licença poética.

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  5. Primo, eu tb fui ver esse filme. Levei mamãe junto. Mamãe não gosta muito de cinema por causa do som muito alto. Mas, dessa vez ela não reclamou. Acho q choramos mais do q o normal, as duas. Depois de sair do cinema ficamos caminhando pelo shopping ainda c/ a voz embargada... só respirando. Monossilábicas, passeamos olhando vitrines... Depois de tomar um pouco de água, conseguimos conversar e deixar o choro vir de novo. Rimos muito dessa situação. Gostei muito do filme. Me lembrou papai. Ele gostava do Gonzagão e eu do Gonzaguinha. Mas o filme me tocou muito pelo perdão. O perdão do feito e do não feito, do dito e do não dito, da presença e da ausência, do que foi e do que não foi, dos equívocos ... enfim, o perdão. Penso q todos temos muito o q perdoar em nós e nos outros. Perdão ... essa força q liberta... Quero ver esse filme novamente.

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