Tenho pra mim que o transcurso do tempo é uma das medidas que nos permite saber quando um filme se impõe e nos arrebata de corpo e alma. No cinema, não perceber o tempo passar é sintoma de que se foi tomado pela história. Neste caso específico, duas horas de filme passam sem que ninguém perceba. Sem que se tenha tempo de desprender o fôlego, represado à primeira cena.
Aliás, a atmosfera tensa pontua "A Forma da Água" o tempo todo. Num jogo de esfria e esquenta que nunca é morno. Um conto de fadas erótico. Uma monstruosidade delicada e sensual. Guillermo consegue a proeza de fazer caber romance e violência dentro de uma história que seduz novos e velhos. Espertos (na etimologia castelhana da palavra) e incautos. Românticos e descrentes.
Há na história um pouco de tudo e de cada coisa desse nosso tempo louco. A lente de Guillermo olha o passado com olhos de agora. Extremamente atual, dá vigorosidade à década de 60, com seus conflitos e valores do "american way of life". Da guerra fria revivida, à intolerância política e racial; da corrida armamentista à poesia; da pintura à fotografia; Da música popular de Carmem Miranda às clássicas orquestras, como a de Benny Goodman. O filme se dá ao luxo de ter uma protagonista (Sally Hawkins) que fala pelos cotovelos sem dizer uma palavra - a não ser quando sonha. É muda de nascença. E como é veemente!
Vai haver quem não goste (sempre há). Haverá quem ache que o amor de uma muda por um monstro aquático carrega algo de animalesco. E não vão alcançar a essência desse "A Bela e a Fera pós-verdade". Mas não se importe. O filme é uma aula de poesia e de amor. Um filmaço. Corra pro cinema. E confirme.
Concordo 100% com seu comentário, Maranhão. Mas, quem preferir, pode entrar na sala ao lado e se encher de pipocas saturadas e telas mais ainda, de tiros, explosões e outras demonstrações da modernidade conectada.
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