segunda-feira, 13 de abril de 2015

Manhã de sol cinza


Venho de casa para o trabalho ouvindo as notícias do rádio. Mil preocupações na cabeça, mas, estranhamente, o sol faz a segunda carregada de esperança. De repente, ouço o locutor falar da morte de Eduardo Galeano. Meu coração dá um salto. A manhã de sol, ficou cinza. De repente. Como diria Vinícius, não mais que de repente.

Inevitável sentir uma dor no peito com essa notícia. Nunca estive com ele, mas o vi de diversas formas e ele esteve comigo de várias maneiras. Por um longo tempo.

Foram deles as primeiras ideias que me provocaram a olhar de um jeito diferente os países que nos ladeam. Quando "As veias abertas da América Latina" chegou em minhas mãos, Eduardo Galeano passou a fazer parte dos meus escritores preferidos. 

Eu estava na faculdade de Jornalismo, no Rio Grande do Sul, e tudo era muito novo, arejado, cheirando a revolução. 


As ideias de Galeano passaram a me provocar reflexões sobre coisas que antes não me incomodavam, por desconhecimento, por falta de atenção, por estar à margem da minha percepção.

Depois, com o tempo, cruzei com a poesia dele. Com as crônicas sociais, com um jeito de escrever que caracteriza os escritores que descem do pedestal e se juntam a nós, na planície. Isso estabeleceu entre nós uma identidade. Ele falava e escrevia de situações sobre as quais eu gostaria de ter escrito. Como na canção de Milton Nascimento, eu me perguntava: Como não fui em que fiz isso? 

Meu carro segue, automático, obedecendo esquinas e sinais de trânsito. O rádio fala da morte dele. Da derrota, aos 74, para um câncer de pulmão contra o qual ele vinha lutando havia anos. Dos tempos de exílio na Argentina. Da volta respeitosa e reconhecida, ao Uruguai, sua terra. 

Pego o telefone e ligo pra Renata Sanches. Pensei nela na hora. Me lembro que, no ano passado, ela teve a oportunidade de estar perto dele, durante a Feira Internacional de Livros, que aconteceu em Brasília. 

Em ano de Copa do Mundo, ele falou sobre futebol de um jeito especial e encantou a plateia. 

"Renata, perdemos mais um. O vazio vai aumentando. Não há substitutos no horizonte. O Novo Obscurantismo se achega. Você não escreve umas linhas sobre ele?"

Do outro lado, Renata me diz que sim. Numa concordância cúmplice com tudo. 

Ela vai escrever. Eu fico agradecido, mas o cinza da manhã não vai mais embora. 

Por enquanto, fico com a grata lembrança do último documentário que assisti sobre e com ele. Sangue Latino. Creio que você também vai gostar de assistir. Abra bem os olhos, afine os ouvidos e guarde na memória o melhor de Eduardo Galeano. 

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