No centro do Eixo Monumental, em Brasília, em frente ao Palácio que leva
o mesmo nome, há uma Palmeira de Buriti. A árvore é o símbolo da cidade. E
aquele exemplar solitário, plantado ali em frente ao imponente Palácio, foi
transplantado de um caminho que liga Brasília a Anápolis, no Estado de Goiás. A
árvore tem mais idade que a cidade e o palácio.
Dias atrás, estive bem perto de um senhorzinho, já beirando
os 80, que é tão ou mais importante que o Buriti. Ozanan Coelho é o nome dele. Trata-se de um cearense de boa cepa,
que veio aventurar-se em Brasília e terminou, apaixonado por ela, nunca mais
saindo daqui.
Ozanan tem muitas virtudes. A mais especial delas está
diretamente ligada à quantidade de árvores e jardins que a cidade ostenta. Ele
é o responsável direto pelo plantio de 3,8 milhões de árvores em Brasília. O
número não está errado, não. São 3,8 milhões de árvores plantadas, sim.
As super-quadras e suas árvores... |
... onde houver uma árvore, em Brasília... |
...tenha a certeza, Ozanan passou por ali. |
Claro que ele não fez isso tudo sozinho. Durante os últimos
40 anos Ozanan esteve no Departamento de Parques e Jardins da NOVACAP, 30 dos
quais, como chefe do setor. Mas não é errado dizer que Ozanan é o melhor
exemplo da natureza viva, em todo seu esplendor.
Pois bem, foi de viva voz que ouvi Ozanan contar a história
de como salvou aquela palmeira de buriti. Dizia ele que, um belo dia, foi
chamado às pressas para conter a ira de um maluco que, com um facão tentava
derrubar o buritizeiro. Ozanan chegou a tempo de impedir, com a ajuda da
polícia, uma catástrofe. Mas não impediu que a árvore fosse ferida, quase que
mortalmente.
O buriti e o Palácio |
O homem preso e a árvore pendente, prestes a ir ao chão em
definitivo. Ozanan chamou os seus. Segurou a árvore e passou a pensar na melhor
forma de salvá-la. Ergueu uma cerca de varas, rente ao tronco machucado da
árvore. Amarrou-as firmemente e torceu para que o tempo lhe permitisse a
regeneração.
Não houve tempo. A cada chuvarada, lá se ia o arranjo sustentador
e com ele, a esperança de que a árvore voltasse a viver em paz. Ozanan não
desistia de salvar o buritizeiro, mesmo muitas tentativas infrutíferas depois.
Cada novo conserto era plateia garantida. O povo, como nos jogos de futebol,
adorava dar opiniões.
Até que, um dia, um senhor bem humilde apresentou-se e
perguntou se podia ajudar. Ozanan quis saber quem era ele. Disse que era dono
do circo que estava instalado ali perto. E que acompanhava com atenção, nos
últimos dias, a batalha vã na tentativa de recuperar a árvore.
Ozanan prestou atenção em tudo o que ele falava e aprendeu
que usando as mesmas as técnicas de
erguer as lonas do circo era possível aumentar as chances de sobrevivência da
árvore.
Dito e feito. As técnicas de amarras usadas no circo conseguiram o milagre de fixar a palmeira de
buriti, mesmo em dias de vento mais forte.
Feliz por ter vencido a principal batalha, Ozanan lembrou do
infeliz que fez aquilo e quis saber o que lhe passava pela cabeça. Resolveu
visita-lo na prisão. Lá, frente a frente com o algoz da árvore, questionou: Por
que tanta raiva com uma árvore? O camarada respondeu com olhar vidrado, típico
de quem não tem a cabeça regida pelas leis deste mundo: Olhe, doutor, quantas
vezes me soltarem, tantas eu vou voltar lá, até completar o serviço.
Ozanan escutou atento e tentava em vão fazê-lo desistir da
ideia. Até que, lá pelas tantas, o serial killer de coqueiros sentenciou: Doutor, eu só não vou cortar
aquela árvore o dia que for correto escrever “Congresso” com cê cedilhado.
Ozanan a me dedicar o seu livro. E eu, me pondo encantado, diante da natureza em forma de gente. |
Ozanan viu que o caso era perdido. E torceu para que a
polícia não liberasse o sujeito tão cedo. Enquanto contava a história,
acontecida nos idos dos anos 70, Ozanan sorria um sorriso de homenino. Desses, capazes de reunir
inocência e maturidade no meio de um rosto marcado pela vida. E eu, ali, me
pondo encantado, diante da natureza em forma de gente. Quem enxerga os seus olhos azuis não imagina a imensa floresta urbana que há por trás deles.
Que bom que você está presente para contar a história de seu Ozanan. Ele é quase um ser elemental do folclore brasileiro. E tem nome para isso, de cuidador das árvores urbanas no planalto central. Se o personagem existe, você é um "La Fontaine" moderno, escritor de uma fábula contemporânea.
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