A ponte e o Tejo |
Acordo, olho no espelho, o dia claro lá fora.
A janela me mostra o Tejo.
Vejo além.
A ponte 25 de abril
passa ao lado do hotel onde estou. É como se entrasse por minha janela. Leva
meus olhos para a Almada, por sobre
o gargalo do Rio Tejo. Vejo além.
Alfama, bairro alto, em Lisboa... |
...e São Luis, no Maranhão. Muito em comum. |
Penso nas ladeiras da Alfama, o bairro alto em Lisboa.
Aquele lugar me lembra São Luis do
Maranhão, em tudo. Mas há um oceano e cinco séculos entre São Luis e o
Bairro da Alfama. Quando criança, descia a ladeira da Madre D’eus em direção à areinha. Rua dois, Rua três... Tia Dica tinha uma quitanda na entrada
da Rua quatro.
Bonde da Alfama. |
Bonde em São Luis. |
O bonde que sobe as ladeiras da Alfama é o mesmo que descia
a Madre D’eus. O homem que vê o Tejo pela janela é o menino que descia a
ladeira da Madre D’eus. Somos os mesmos, guardado o hiato temporal da vida vivida
entre um oceano, cinco séculos e dois bairros distantes.
Olho no espelho e desejo café.
Desço até o restaurante do hotel. Mesa posta. O pão
quentinho. Ovos mexidos. O cheiro do café tomando conta do espaço. Vejo além.
Poesia no café da manhã |
O desejo do café é quase poesia. Meus olhos batem no
saquinho de açúcar. Café alimenta a alma. Açúcar tempera a vida. A poesia
sustenta os dois. E a poesia impressa em papel de açúcar é o que me surpreende
e alegra o dia.
Um oceano e cinco séculos separam e unem o que eu sou de
verdade. O Rio Tejo, a ponte, o bairro da Alfama, o café, o espelho, a janela e
a poesia impressa no papel de açúcar veem além.
Foto: Andres Alem |
O tempo me pega pelas mãos e me conduz inteiro pelas ruas da
memória. Há muito de minha alma espalhado nestas manhãs de inverno e sol.
Texto escrito originalmente para a coluna "Olhar Poético", que assino semanalmente, no Blog Hoje Vou Assim, da Cris Guerra.
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