Abro minha caixa de mensagens e encontro lá um recado da Cinha:
Ei, estou fazendo um
vestido de crochê, lindo, branco, para a “Chicotinho”.
Acho que fica pronto em uns dias. Que tal você escrever uma crônica como se
fosse na nossa reunião de pauta, especial para o dia da entrega?
Que estranha capacidade uma frase tem para nos transportar
no tempo. Lá estava eu , pensando e vivendo de novo aquelas reuniões de pautas.
Cinha
é uma das melhores coordenadoras de produção com quem já trabalhei no
jornalismo de TV. Alguém que sabia controlar uma equipe, tinha noção de tempo,
de corte, de posicionamento de câmera. Adorava fazer crochê e tomar cerveja.
Não necessariamente nessa mesma ordem.
E ela me trouxa à memória um tempo em que trabalhamos juntos.
Naquele momento, a redação se compunha por uma minoria de
homens. Por óbvio, a maioria de mulheres dominava o ambiente. Todos os dias, às
nove em ponto começava a nossa reunião de pauta. Era quando os assuntos do dia
desenhavam o que seriam os nossos telejornais.
Mas havia um ritual. Antes de qualquer coisa, as meninas
discutiam moda. O vestido de uma, o sapato novo de outra. A bolsa, maraaaaavilhoooooosa, da terceira... E
assim, nós poucos, do lado masculino da mesa, descobríamos valores modistas e
conceitos de cor que jamais passariam por nossas cabeças e, portanto, jamais
alcançaríamos sozinhos.
Foi nessa época que descobri existir um certo tom fúcsia.
E mais, fiquei sabendo a diferença gritante (na opinião delas) entre o bege,
o creme
e o amarelo claro. Até hoje, não sei exatamente o que isso
significa e nem vejo qualquer diferença. Mas elas juram que existe.
Distinguir esse tipo de nuance faz parte da sensibilidade e
do olhar microscópico, componentes de série que só são dados pela natureza às
mulheres. Confesso que não sei como vivi até aquele momento sem perceber tais
distinções de cor. Por conta disso, muitas vezes, me senti o mais perfeito extraterrestre
no mundo fashion. Mas era divertido.
Os quinze primeiros minutos da reunião de pauta nos tornavam
uma família, com tudo de virtude e imperfeição que possa haver em uma. Era ali
que descobríamos as reformas intermináveis da casa da Gra. As queixas da Didi
contra a invasão de turistas em seu paraíso goiano. As gaitadas da Nine invadindo o corredor e anunciando:
a gaúcha escrachada chegou!
A Ju não
suportava erros. Não suportava injustiças. Não suportava atrasos. Não suportava
pautas furadas. A Ju, em verdade,
suportava pouca coisa. Nós nos tornamos uma exceção para ela. E ela nós
brindava com a sua beleza de porcelana.
Dadá, Lu e My completavam o time. Uma, negra espevitada, sem papas na língua;
a outra, a delicadeza em pessoa, uma voz mansa de quem era capaz de perdoar
tudo e conquistar sempre o que quisesse. A terceira, uma fronteiriça, das mais
fortes e determinadas que conheci. Forte em sua determinação para encarar o que
a vida lhe pusesse pela frente.
Nas reuniões de pauta se choravam as dores de perda, os
amores rompidos, as conquistas, as viagens, os carros novos... tudo
entrecortado pela moda. Quem comandava era a “Chicotinho”, como o
apelido rezava, ela era uma doçura de pessoa, até o momento em que alguém a provocasse.
Sabia usar o chicote na medida certa.
Uma morena linda, bem resolvida, competente e alta. Tão alta
que toda vez que ela chegava eu arriscava uma sacanagenzinha: Dizia que quando
ela levantava da cadeira eu a imaginava saindo de uma piscina, e saindo, e
saindo, e saindo, sem nunca mais parar de sair. “Aquilo era mulher que não
acabava mais!” e a risada corria solta.
Quando ela brandia o chicote, terminava o recreio e começava
a vida real. E o jornalismo entrava pra valer no cotidiano de uma das boas
equipes com quem já trabalhei. Todo dia era assim. Por muitos anos foi
assim.
Hoje, a reunião aconteceu em minha mente, outra vez.
Enquanto Cinha tece o vestido ou toma uma cerveja. Neste caso, de
verdade, a ordem dos fatores não vai alterar o produto.
Texto escrito originalmente para a coluna Olhar poético, que assino semanalmente, no Blog da Cris Guerra.
A emoção e a nostalgia tomam conta de mim nessa viagem no tempo. Lindo relato de um poeta, amigo, jornalista e homem que se deixou, divertida e contagiantemente, invadir pelo nosso feminino.
ResponderExcluirO único homem da nossa rotina sempre tinha sábia e poética ação, sabia ser maleável e transmitir equilíbrio. Era o contraponto exato para o nosso recreio, a voz grossa que amenizava quando todas falavam ao mesmo tempo.
Hoje, nesta minha manhã de TPM, desafiante para toda mulher e para quem a rodeia, você me encheu os olhos e estampou o sorriso no meu rosto. Alguns momentos na vida são marcantes de felicidade, algumas pessoas são inesquecíveis.
Obrigada por ser uma dessas pessoas,
Chicotinho.
Lindo relato, Maranhão!
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