Chiaroscuro
Lá fora, a escuridão. Chuvarada, relâmpagos e trovões. Um
raio atinge um transformador. Um bairro inteiro sem luz. Por uns instantes,
voltamos à idade das trevas. Sem luz, sem TV, sem internet, sem telefone. Só a
escuridão e o pensamento.
Nessas horas, a companhia do silêncio é ensurdecedora. No
escuro, pensa-se mais. No escuro, reflete-se mais. O escuro, por contraditório, é revelador. Aproveito a
escuridão para ver um filme mental do meu dia. E durmo com a certeza de que
tudo está mais claro que nunca.
A memória ao mar
Caminhava à beira da praia. Pés na areia, a espuma das ondas
a lhe cobrir os dedos. Marcas deixadas e apagadas no instante seguinte.
Caminhava na praia vazia. Até encontrar um objeto que ia e vinha na areia, ao
sabor das ondas.
Se aproxima e vê uma câmera fotográfica. Uma dessas, próprias
para mergulhos, que vem protegidas por uma cápsula de plástico para que a água
não lhes estrague o conteúdo. Olha em volta, não há viva alma. Se abaixa e recolhe
a câmera.
Enquanto caminha só o chiado do vento e da água lhe fazem
companhia. Imagina as fotos ali dentro. Imagina a memória guardada em tons de
alegria ou tristeza. Flagrantes de uma aventura registrados para sempre. Para
quem? – se questiona, em silêncio.
Olha em volta outra vez. Não há viva alma. O horizonte. O
mar lhe cobrindo os pés. A câmera nas mãos. Num zás! devolve a câmera ao mar. Seus olhos acompanham o movimento em
arco do equipamento arremessado. Até o mergulho definitivo. O que quer que esteja
ali dentro, está decidido, pertence ao fundo do mar.
Razão sem Paixão
Cerzir a
cortina da vida
vagar à
inconstância do tempo
Que
memória ainda tens?
De mim, da
rua, do vento...
Ah, essa
tua mania de invadir as tardes
de soprar
as roupas brancas no varal
e sumir sem
dar aviso
Lufada de
ar perdida
Música que
não se ouve mais
poesia da
eternidade
razão sem
paixão,
capaz!
Textos e poesia escritos originalmente para a coluna "Olhar Poético", que assino semanalmente no blog Hoje Vou Assim, da Cris Guerra.
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