A cor azul do dia em nada combina com o meu estado de espírito. Lá fora, o dia brilha. Em mim, internamente, o tempo é de chuvas e trovoadas. Dessas tempestades que se assemelham a furacões. Que, por onde passam, vão deixando a terra arrasada.
Apesar dessa convulsão temporal interna, a vida exige equilíbrio, sob pena de se perdê-la. Então, recorro à belezura externa do dia para alcançar um mínimo possível de equilíbrio interno. O que dê pro gasto. O que me leve até a virada do próximo dia.
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Maria, a caçadora. |
Na saída de casa, cruzo a parede de vidro que compõe a divisa entre a sala e o jardim e quase piso em um pássaro estendido ao chão.
"A Maria, atacou de novo..." penso comigo, atribuindo aquela imagem a mais uma das investidas da
lhasa apso que temos em casa e que, volta e meia, testa o seu instinto de caçadora em passarinhos desavisados.
Percebo que não é um pássaro comum. É um beija-flor. E dos grandes. E percebo mais, ele não está morto. Esqueço o resto. Esqueço a tempestade interna. Clareio o dia diante do acaso. Diante da possibilidade de entender o que aconteceu a aquele pássaro e de salvar-lhe a vida.
Solto minha pasta, a chave do carro, largo tudo. Me abaixo e o apanho com a mão. Sim. ele está vivo e assustado. Paralisado. Presumo que ele tenha sido enganado pela imagem refletida do vidro. O que pensou ser um pedaço de céu, era uma parede de vidro. E o choque, em pleno voo se transformou em acidente de percurso.
Ele já teve sorte demais. primeiro por estar vivo. Depois, por ter ficado um bom tempo na calçada de casa, sem que a Maria percebesse. Carrego-o até o bebedouro. Vejo aquela delicada língua se mover, num vai-e-vem típico dessas aves. Ele abre os olhos. Bebe mais água. Volto pro jardim pensando em colocá-lo protegido, numa planta com flores vermelhas que eles adoram.
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Hora do descanso. |
Me lembro que, bem ao lado existe uma árvore em que eles costumam descansar, depois de suas rápidas investidas nas flores. Aproximo a minha mão de um dos galhos. Abro a mão e ele começa a bater assas, como um pequeno helicóptero, parado no ar. Zás! Dispara por entre os galhos. Ganha o muro azul e pousa.
Fica me olhando enquanto eu também o encaro. Eu lhe salvei a vida. E ele sem querer me salvou o dia.
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