Celso Grecco |
A esta altura, Celso Grecco já iniciou sua viagem de volta ao Brasil, depois de ter passado dez dias na China. Mas, antes de sair de lá, ele me escreve. E descreve uma China bem peculiar. No modo de agir de sua gente. No modo de pensar e sentir. Celso Grecco, o nosso correspondente, por uns dias, no extremo oriente.
Grande
Maranhão,
A
China é um país de superlativos. Tudo aqui é mais longe e maior do que nossos
padrões de referência ensinam - menos quando se trata de roupa feminina e de
sobrenomes.
No
capítulo das roupas femininas a Rosa, que no Brasil usa tamanho S ou M, só
encontra o que caiba a partir do L ou XL, quando não o XXL. A culpa é das
chinesas que comem feito dragõezinhos mas não crescem nem engordam. Roupas
masculinas me pareceram mais similares aos nossos tamanhos. Você não vai ter
que pedir "Buda size" quando for comprar a sua, até porque
provavelmente o vendedor não fala inglês e não entenderá sua referência a Buda
size - na verdade acho que ele também não entenderá o seu humor.
E
quanto aos sobrenomes, na China inteira eles são pouco mais do que algumas
dezenas. É como se todos fossem da mesma família, o que não deixa de ser
provável dada a semelhança física entre eles que lhe fará jurar que a garçonete
do café da manhã é a mesma moça que estava ontem à noite aplicando massagem nos
seus pés, que já se parecia demais com a vendedora de lenços na Praça da Paz
Celestial - ou seria com a oficial de imigração do aeroporto?
Já
com relação aos nomes, aí sim a coisa complica. Porque o chinês pode inventar
nomes para dar aos filhos. A lei permite e é traço da cultura. Exemplo disso,
foi que em 2008 por ocasião das Olimpíadas, nasceram várias crianças que
receberam nomes como "Olimpíada Maravilhosa", "Olimpíada
Linda" e assim por diante. Todos os nomes têm algum significado. Você
sempre será "O Amarelo que Traz Prosperidade", "O Céu Azul do
Ano do Dragão" e por aí afora. O que me deixou mentalmente visualizando
pessoas do meu cotidiano que eu rebatizaria com "Aquele que sempre aparece
para estragar" e outros nomes bem menos publicáveis.
Aeroporto de Hong Kong |
Os
superlativos a que me refiro começam um pouco antes da viagem. Morando em São
Paulo, você levará da sua casa ao Aeroporto 1h30m, chegará umas 2h30m antes
para o check in, embarcará para o primeiro trecho que vai levar 10h de vôo. Se
for via Johannesburg aguardará a conexão por 9h e embarcará para o segundo
trecho que serão de 15h dentro do avião, sem escala. São quase 30h em trânsito
da sua casa até o pouso em Pequim, 25h das quais sentado dentro de um avião. A
sensação é a de que ao final da viagem você já será amigo no Facebook de todos
os 287 passageiros, inclusive daquela chinesinha simpática que depois vivia
cruzando o seu caminho no café da manhã, na loja de souvenir, no supermercado e
também no metrô mas que nunca te cumprimentava. Ou será que era outra pessoa?
O
país tem 1,4 bilhões de habitantes declarados. Por conta da política do filho
único, estimativas não oficiais contabilizam outros 400 milhões de chineses sem
registro de nascimento. Oficialmente não existem. Pequim tem quase 19 milhões
de habitantes, 2 milhões dos quais vivendo debaixo da cidade naquilo que foram
os abrigos subterrâneos construídos para enfrentar uma guerra. Esses locais
ficaram sem o sentido original e passaram a ser ocupados por famílias inteiras
que moram em espaços semelhantes aos nossos Cortiços - sem janelas, sem água
encanada, sem ventilação, um banheiro para 10 ou 12 famílias e todas elas
numerosas. São faxineiros, camareiras, ajudantes de limpeza, toda uma gama de
trabalhadores braçais vivendo debaixo da terra para morar próximos aos seus
locais de trabalho e não gastar com transportes. Alugam esses espaços pelo
equivalente a 60 reais mensais. Eu disse semelhantes aos nossos Cortiços? Fui
bondoso, acho que são piores.
Há
lojas. Muitas lojas. Centros comerciais, Shopping Centers, todos enormes mas só
por dentro, de fora você não dá nada. Andando ontem por Wanfuging vimos o que
parecia ser a entrada de uma pequena galeria. Bastou abrir a porta para
enxergarmos um gigantesco shopping center com 7 andares para cima, 3 para
baixo. Umas 4 praças de alimentação. Daí você descobre que numa das pontas do
shopping há uma escada rolante que te leva diretamente para o metrô, o mesmo
metrô pelo qual você veio para Wanfuging - só que a saída por onde você chegou
na praça, estava dali uns 800 metros de distância.
Essa
experiência vai se repetir várias vezes. Ora é uma ruazinha que quando você
começa a caminhar vai se desdobrando em outra viela, outro beco, outra rua e
daqui a pouco você se perdeu, ora é uma loja que tem uma portinha e quando você
dá dois passos se vê diante de um Lojão das Casas Bahia - aquele que eles
montam no Anhembi no final do ano. Parece mundo virtual do Matrix. O consumo é
intenso e na maioria sem nota fiscal. Claro que as grandes empresas são
fiscalizadas, mas a política para os pequenos comerciantes e para as pessoas
físicas é outra. Tem declaração de imposto de renda, mas é impossível
fiscalizar 1,4 bilhões de pessoas. Melhor deixar que consumam muito, declarem o
que quiserem desde que façam girar a roda da economia. E fazem.
A
Muralha da China é impressionante. Oficialmente 8.560km de extensão e quando
você olha a geografia do lugar e a solidez da construção, não consegue fazer
contas de quanto custaria (em tempo, em dinheiro, em recursos tipo pedra,
cimento, areia) se a sua construção fosse ser reproduzida nos dias de hoje com
as facilidades e tecnologias de hoje.
Vasos
maravilhosamente desenhados, desses que você compra em lojas de decoração,
levam até 3 anos (cada um) para ficarem prontos. O mesmo país que copia
qualquer marca do mundo com uma velocidade impressionante, ainda guarda uma
milenar tradição de produzir vasos de cobre à mão, obedecendo técnicas e
rituais de milhares de anos atrás, na única fábrica do país especializada em
fazê-lo.
Deu
vontade de reler Henfil na China (o duro vai ser achar uma cópia) e de buscar o
livro da Sonia Bridi, aquela correspondente da Globo, que morou aqui uns anos.
Esse país é intrigante, uma vinda só não vai ser suficiente. A China são várias
viagens.
Abraços, Celso.
No vídeo abaixo, um exemplo do superlativo ao que se refere Celso. A história da construção do aeroporto de Hong Kong. São 16 minutos, mas vale a pena conferir.
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