sábado, 26 de outubro de 2013

A China é uma viagem. Ou, muitas.

Celso Grecco

A esta altura, Celso Grecco já iniciou sua viagem de volta ao Brasil, depois de ter passado dez dias na China. Mas, antes de sair de lá, ele me escreve. E descreve uma China bem peculiar. No modo de agir de sua gente. No modo de pensar e sentir. Celso Grecco, o nosso correspondente, por uns dias, no extremo oriente. 

Grande Maranhão,

A China é um país de superlativos. Tudo aqui é mais longe e maior do que nossos padrões de referência ensinam - menos quando se trata de roupa feminina e de sobrenomes.


No capítulo das roupas femininas a Rosa, que no Brasil usa tamanho S ou M, só encontra o que caiba a partir do L ou XL, quando não o XXL. A culpa é das chinesas que comem feito dragõezinhos mas não crescem nem engordam. Roupas masculinas me pareceram mais similares aos nossos tamanhos. Você não vai ter que pedir "Buda size" quando for comprar a sua, até porque provavelmente o vendedor não fala inglês e não entenderá sua referência a Buda size - na verdade acho que ele também não entenderá o seu humor.


E quanto aos sobrenomes, na China inteira eles são pouco mais do que algumas dezenas. É como se todos fossem da mesma família, o que não deixa de ser provável dada a semelhança física entre eles que lhe fará jurar que a garçonete do café da manhã é a mesma moça que estava ontem à noite aplicando massagem nos seus pés, que já se parecia demais com a vendedora de lenços na Praça da Paz Celestial  - ou seria com a oficial de imigração do aeroporto?

Já com relação aos nomes, aí sim a coisa complica. Porque o chinês pode inventar nomes para dar aos filhos. A lei permite e é traço da cultura. Exemplo disso, foi que em 2008 por ocasião das Olimpíadas, nasceram várias crianças que receberam nomes como "Olimpíada Maravilhosa", "Olimpíada Linda" e assim por diante. Todos os nomes têm algum significado. Você sempre será "O Amarelo que Traz Prosperidade", "O Céu Azul do Ano do Dragão" e por aí afora. O que me deixou mentalmente visualizando pessoas do meu cotidiano que eu rebatizaria com "Aquele que sempre aparece para estragar" e outros nomes bem menos publicáveis.

Aeroporto de Hong Kong
Os superlativos a que me refiro começam um pouco antes da viagem. Morando em São Paulo, você levará da sua casa ao Aeroporto 1h30m, chegará umas 2h30m antes para o check in, embarcará para o primeiro trecho que vai levar 10h de vôo. Se for via Johannesburg aguardará a conexão por 9h e embarcará para o segundo trecho que serão de 15h dentro do avião, sem escala. São quase 30h em trânsito da sua casa até o pouso em Pequim, 25h das quais sentado dentro de um avião. A sensação é a de que ao final da viagem você já será amigo no Facebook de todos os 287 passageiros, inclusive daquela chinesinha simpática que depois vivia cruzando o seu caminho no café da manhã, na loja de souvenir, no supermercado e também no metrô mas que nunca te cumprimentava. Ou será que era outra pessoa?


O país tem 1,4 bilhões de habitantes declarados. Por conta da política do filho único, estimativas não oficiais contabilizam outros 400 milhões de chineses sem registro de nascimento. Oficialmente não existem. Pequim tem quase 19 milhões de habitantes, 2 milhões dos quais vivendo debaixo da cidade naquilo que foram os abrigos subterrâneos construídos para enfrentar uma guerra. Esses locais ficaram sem o sentido original e passaram a ser ocupados por famílias inteiras que moram em espaços semelhantes aos nossos Cortiços - sem janelas, sem água encanada, sem ventilação, um banheiro para 10 ou 12 famílias e todas elas numerosas. São faxineiros, camareiras, ajudantes de limpeza, toda uma gama de trabalhadores braçais vivendo debaixo da terra para morar próximos aos seus locais de trabalho e não gastar com transportes. Alugam esses espaços pelo equivalente a 60 reais mensais. Eu disse semelhantes aos nossos Cortiços? Fui bondoso, acho que são piores.


Há lojas. Muitas lojas. Centros comerciais, Shopping Centers, todos enormes mas só por dentro, de fora você não dá nada. Andando ontem por Wanfuging vimos o que parecia ser a entrada de uma pequena galeria. Bastou abrir a porta para enxergarmos um gigantesco shopping center com 7 andares para cima, 3 para baixo. Umas 4 praças de alimentação. Daí você descobre que numa das pontas do shopping há uma escada rolante que te leva diretamente para o metrô, o mesmo metrô pelo qual você veio para Wanfuging - só que a saída por onde você chegou na praça, estava dali uns 800 metros de distância.



Essa experiência vai se repetir várias vezes. Ora é uma ruazinha que quando você começa a caminhar vai se desdobrando em outra viela, outro beco, outra rua e daqui a pouco você se perdeu, ora é uma loja que tem uma portinha e quando você dá dois passos se vê diante de um Lojão das Casas Bahia - aquele que eles montam no Anhembi no final do ano. Parece mundo virtual do Matrix. O consumo é intenso e na maioria sem nota fiscal. Claro que as grandes empresas são fiscalizadas, mas a política para os pequenos comerciantes e para as pessoas físicas é outra. Tem declaração de imposto de renda, mas é impossível fiscalizar 1,4 bilhões de pessoas. Melhor deixar que consumam muito, declarem o que quiserem desde que façam girar a roda da economia. E fazem.


A Muralha da China é impressionante. Oficialmente 8.560km de extensão e quando você olha a geografia do lugar e a solidez da construção, não consegue fazer contas de quanto custaria (em tempo, em dinheiro, em recursos tipo pedra, cimento, areia) se a sua construção fosse ser reproduzida nos dias de hoje com as facilidades e tecnologias de hoje.


Vasos maravilhosamente desenhados, desses que você compra em lojas de decoração, levam até 3 anos (cada um) para ficarem prontos. O mesmo país que copia qualquer marca do mundo com uma velocidade impressionante, ainda guarda uma milenar tradição de produzir vasos de cobre à mão, obedecendo técnicas e rituais de milhares de anos atrás, na única fábrica do país especializada em fazê-lo.

Deu vontade de reler Henfil na China (o duro vai ser achar uma cópia) e de buscar o livro da Sonia Bridi, aquela correspondente da Globo, que morou aqui uns anos. Esse país é intrigante, uma vinda só não vai ser suficiente. A China são várias viagens.

Abraços, Celso.

No vídeo abaixo, um exemplo do superlativo ao que se refere Celso. A história da construção do aeroporto de Hong Kong. São 16 minutos, mas vale a pena conferir. 


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