*Por Mariza Poltronieri
Dizem que tudo que faz parte da vida de uma gestante também faz parte da vida do bebê que ela carrega. Pesquisas à parte, minha mãe me concebeu, pariu e criou dentro de um restaurante. Talvez, meu amor pela culinária venha daí. Estava sempre pertinho das panelas, dos seus cheiros e sons quando remexidas por colheres ou trepidadas por alimentos borbulhantes.
Conta a lenda que eu, recém nascida, ficava encaixada em uma gaveta da cozinha, reservada para guardar o pão. Tal qual um berço improvisado, aguardando entre uma mamada e outra, entre um fritar e um cozer. A quarta de uma fileira de seis filhos já não era uma novidade, não custava nada esperar.
Dentro deste restaurante passei, junto com meus irmãos, a melhor infância. Um mundo absolutamente diversificado de pessoas e comportamento. Não dava para ser igual afinal, quem vive um restaurante sabe que nós pertencemos a ele e não o contrário.
Habitavam aquele restaurante pai, mãe, irmãos, empregados. Tudo era muito: muita gente, muito trabalho, muito cansaço e muita diversão. Tudo que é muito guarda inúmeras lembranças. Das lembranças, a mais peculiar eram as festas dos dois únicos dias de folga absoluta. Um restaurante nunca fecha, é a regra da hospitalidade. Deve-se guardar os dias santos, é a regra da fé católica.
Somar as duas coisas só era possível em duas datas: Natal e Sexta-feira da paixão. O engraçado, que mesmo não existindo mais o restaurante, ele impôs uma regra que se perpetua até hoje.
Na primeira das datas, comemoramos a ceia do dia 24, antigamente para que todos pudessem descansar no dia seguinte; na segunda data fazemos o almoço com as tradições peculiares, somente peixe e uma tentativa de contrição, exigência da celebração que se impõe ao dia. Somente tentativa, pois bacalhau convida para o vinho e, convenhamos, não dá para ficar sério com tanto prazer.
Seria mais fácil nos manter sérios com pão e água o que seria heresia para uma família gourmet. Este é o momento da confusão. Imagine para uma Mama de 81 anos ver todos os filhos rindo e se prostrando de sono um em cada sofá e nada de ir à igreja?
Lembro bem que lá na infância meu pai dizia que todos estávamos perdoados. Uma família que ri junto está bem perto de Deus. Acho que minha mãe sabe disso, mas tanto quanto rir, o folclore familiar faz parte deste céu.
Espero que cada um possa do seu jeito perpetuar uma ou muitas histórias. Vejo pelos meus filhos e sobrinhos, quão confortável e aconchegante é o folhetim de nossa família. Eles amam reviver repetidamente nossa história. Prova que o passado ainda pode ser revivido com amor e leveza.
Feliz Páscoa!
Ofereço uma receita com cara de Brasil. Um bolo de bacalhau ao molho de camarão com leite de côco. Um pecado que só pode ser espiado se você for feliz.
Aproveite.
Bolo de Bacalhau ao molho de camarão com leite de côco
Ingredientes da Massa:· 1 kg de bacalhau salgado· 1 kg de batata baroa (mandioca salsa)· 1 litro de leite· 1 cebola picada· 2 dentes de alho picados· 6 ovos inteiros· Sal e pimenta-do-reino a gosto· Azeite para refogar.
Ingredientes do Molho:· 1 kg de camarão de tamanho médio· 4 tomates italianos sem pele e sem sementes· ½ maço de coentro picado· 100 ml de azeite de oliva (para quem gosta pode por ½ a ½ azeite de dendê)· 2 dentes de alho picados· 1 litro de leite de côco· 1 cebola picada· Sal a gosto· 1 pimenta dedo-de-moça sem sementes picadinha.
Modo de Fazer a Massa· Retire a pele do bacalhau e coloque-o de molho em água abundante na geladeira, por 48 horas, trocando-a seguidamente.· Cozinhe o bacalhau em nova água por cerca de 5 min, ou até ficar macio, retire as espinhas, desfie.· Em uma panela, aqueça um pouco de azeite e refogue o alho e a cebola. Incorpore o bacalhau, mexendo por alguns minutos, desligue o fogo e reserve.· Descasque e cozinhe as batatas no leite com uma pitada de sal, amasse ou passe por um espremedor para obter um purê. Acrescente o bacalhau desfiado e misture até a massa ficar homogênea. Prove o sal e a pimenta, ajuste se necessário. Espere amornar.· Bata os ovos inteiros e misture à massa.· Coloque em fôrmas refratárias individuais, tipo ramekin ou em uma forma de bolo grande, untadas com manteiga e farinha de rosca e leve ao forno médio, pré-aquecido, por mais ou menos 20 a 30 minutos ou até dourar na superfície. Desenforme e sirva com o molho.
Modo de Fazer o Molho· Refogue a cebola e o alho no azeite de oliva, junte o camarão, acrescente os tomates e tempere com o sal e a pimenta picadinha. Após 5 minutos de cozimento, junte o leite de côco e cozinhe em fogo baixo, por mais 10 minutos, com a panela tampada até ficar cremoso. Desligue o fogo e acrescente o coentro. Mexa bem e sirva.
Como montar os pratos individuais:· Desenforme cada bolinho sobre o prato de servir. Coloque um pouco de molho em torno do bolinho. Enfeite com ramos de coentro e sirva.
*Mariza Poltronieri é culinarista em Maringá, PR. E tem espaço garantido aqui, para escrever sempre que quiser, sobre alquimia gastronômica. Ou, sobre o que ela desejar.