Baobá africano - foto Suzi Theodoro |
Fomos (dois professores, um aluno de mestrado e eu) para o sul (cerca de 300 km), sempre perto da costa do Atlântico, em uma viagem de campo de geologia como há muito eu não fazia. Martelo, marreta, máquina fotográfica, GPS e um carro digno do Magaiver (só faltava falar) ou seria dos stronbarries (Júlia, minha filha deve se lembrar bem dessa referência. Não é mesmo, Júlia?). O cenário era o mesmo.
Peguei meu chapéu, repelente, água e mochila e lá fui para mais uma aventura na savana africana. Vi falésias, superfícies lunares (erosivas), espelhos de falha, dobramentos e, por fim, os basaltos, meus favoritos, em todas as suas formas. Terminamos com os solos derivados dos basaltos, que por incrível que pareça, têm o mesmo cheiro do solo do sítio, lá no Rio Grande do Sul. Quase comi um pouco para ver se eram iguais (geofagia).
Vi tudo que tinha direito e ainda com o privilégio de ter a companhia do “pai da geologia” de Angola, um senhor muito simpático, com os seus 70 e tantos anos, que conhece em detalhes cada feição geológica deste país. Isto sem contar as histórias da guerra pela independência e depois, na guerrilha contra a UNITA.
Ele é tão importante para o país, que o presidente lhe deu o tal carro que eu citei lá em cima, que só falta falar. Ele foi, durante 20 anos, o chefe do departamento de geologia da Universidade Agostinho Neto. Ele foi o único professor de geologia da Universidade durante alguns anos, de modo que dava todas as disciplinas. Do primeiro ao último semestre. Repetiu isto durante quatro ciclos de alunos. Um senhor sem dúvida encantador com tantas histórias e conhecimentos.
Ah sim! E tão importante quanto tudo isto foi ver o Oceano Atlântico pelo lado de cá. Lindo e azul. Ai, lembrei da menina Feliciana. Lula, como ela deve ter sofrido de saudades. (Comentário do Maranhão - Liguei para o Lula agora mesmo pra saber quem era a “menina Feliciana”. Pensei que fosse alguma menina africana que ele e Suzi tivessem acolhido por algum tempo. Em poucas palavras, Lula me contou. Feliciana era a tetravó dele. Relatos de família contam as circunstâncias em que ela deixou a África e chegou ao Brasil, dando início à saga da família. Era o auge da ação dos mercadores de escravos e seus navios negreiros. Um dia, um desses navios estava sendo carregado. O capitão, enquanto aguardava, enxergou uma menina brincando com a sua mãe, na areia da praia. Era Feliciana, ainda criança. Encantou-se com ela. E decidiu levá-la como "brinde", separando-a definitivamente de duas mães – a biológica e a África.)
As praias daqui são lindas, mas não há pessoas tomando sol ou coloridas, como nas nossas praias. O que achei mais interessante foi olhar o mar do outro lado. O meu senso de direção me avisava que precisava olhar para leste, mas lá estava o imenso oceano a me mostrar que eu havia mudado de lado. Também vi muitos e imensos baobás (como o da foto, lá em cima). São majestosos.
Vi pessoas que moram no interior. São incríveis. Sempre nos dirigem um olhar de curiosidade e um imenso sorriso. As mulheres carregam seus filhos nas costas e levam grandes trouxas de roupas na cabeça. São tão magrinhas e dóceis, mas ao mesmo tempo, tão fortes e imponentes (como as da outra foto, nesse texto).
A viagem de campo me fez bem. Posso dizer que em determinados momentos deste dia, estive próximo ao ponto da comunhão plena e absoluta com a terra. Eu estava no meu elemento, fazendo o que mais gosto.
*Suzi Huff Theodoro
Geóloga da Petrobras, pesquisadora adjunta sênior da UnB e PhD em gestão ambiental e desenvolvimento sustentável.
belo depoimento da Suzi
ResponderExcluirbela homenagem sua à Feliciana, que cruzou o mar sem querer, deixando na terra mãe a sua origem
muito legal
Nunca comi basalto mas imagino seu gosto bom.
ResponderExcluirVocê leva a gente no seu texto tal qual o carro magaiver.
Gostei de visitar sua Angola.
Todos os lugares são muitos, depende de quem vê, não é?
Adorei!
Mariza Poltronieri