O Clube era o mesmo de cinco anos antes. Mas, dentro dos vestidos e ternos havia outros rostos, menos conhecidos. Bernardo havia resistido um pouco à ideia de ir ao baile. Mas foi, convencido pela família. Seu receio se confirmara em quinze minutos de festa: nenhum dos amigos de antigamente estava lá. Resignou-se.
Tudo ali era muito igual. A decoração, o palco; até as músicas, por vezes, eram as mesmas. Varrendo o espaço com olhar, ele viajou no tempo. Lembrou que os carnavais da primeira adolescência foram passados quase todos naquele lugar. E recordou as inúmeras voltas que deu no salão, ao som das mesmas marchinhas de sempre, pulando de mãos dadas com as colegas de turma, naquele espaço que antes parecia enorme. "O tempo aumenta a distância e encolhe as medidas", concluiu.
E, como num filme, foi-se lembrando de quase tudo daquele período. O uniforme da escola - camisa branca e calça bordô - uma ousadia para os padrões clássicos da época. As matinês do Cine Star, sempre às quartas e sábados. O bom mesmo era chegar uma hora antes do filme. Para trocar revistinhas. Ele mesmo lera uma coleção quase inteira de TEX, só na base da troca.
De repente, a viagem no tempo se interrompe por conta de uma imagem real. Ele acabara de enxergar o Nêgo. O amigo mais errado, mais encrenqueiro, mais causador de confusão da escola. E o Nêgo, que também parecia estatr desparceirado no baile, não economizou euforia ao encontrá-lo. Os dois engataram uma conversa rápida de reconhecimento: onde estavam, o que faziam, em poucas frases, puseram a vida em dia. E constataram - nenhuma menina da turma havia restava na festa.
Mal terminaram o raciocínio e avistaram a Lígia, sentada do outro lado do salão, na mesa da família. Um sopro de esperança. O baile, afinal, poderia render alguma coisa. Mas, por ser a única, Lígia estava alçada à condição imediata de objeto de disputa. Uma música lenta começou no exato momento em que os dois disputavam o privilégio do convite à Lígia, na porrinha.
Quando Bernardo ganhou a disputa, a música já ía pela metade. Atravessou o salão, olhando pra trás, só pra provocar o Nêgo. Chegou à mesa da Lígia com um sorriso no canto da boca e muita humildade. Estratégia que nunca falhou nos bailecos da escola. Convidou-a pra dançar. Ela o reconheceu e disse não. Simples, assim. Ele gelou. Olhou pra trás. O Nêgo, lá de longe, só olhando.
O frio na espinha resgatou-lhe à memória os antigos bailes juvenis. A turma de meninos de um lado. A de meninas do outro. Os meninos sem coragem para arroubos individuais, combinavam uma investida em grupo, um atrás do outro. Cada um determinado a tirar para dançar uma das meninas da rodinha. Quase que invariavelmente, quando o primeiro menino não parava na primeira menina, como combinado, nenhum dos outros que vinham atrás parava também. Era um fiasco. Muitas festas terminaram sem que o "trem da felicidade" entrasse nos trilhos.
Pois, ali, a situação exigia um outro final. Porque o tempo passara. Porque a história era outra. Porque não havia outros atrás, na fila, com quem dividir a frustração do "toco". E, por fim, porque o Nêgo estava olhando e percebendo que algo estava para dar muito errado.
Encheu-se de coragem e pediu de novo, quase em súplica - "Dança comigo, vai..." Nesse momento, o pai da Lígia intercedeu e fez com que a moça aceitasse o convite. Bernardo agradeceu. A música estava do meio pro fim, mas não importava. Ela olhou firme em seus olhos e disse: Eu avisei que eu não queria dançar com você. Enquanto falava, saía da cadeira em que estava sentada e crescia, "para o universo e além", na frente dele.
Isso mesmo. A Lígia crescera muito mais que ele. E só parou de subir quando a cabeça dela estava dois palmos acima da dele. E a dele, incomodamente, estacionada entre os seios dela. Ela depositou as mãos nos seus ombros. Ele, envolveu a cintura dela com as mãos e procurou não fazer movimentos bruscos. Dançou a dança mais difícil da sua vida. Até que a meia música, que parecia não ter fim, terminasse.
Antes de sair do clube, refez o raciocínio sobre o tempo: "Ele aumenta as distâncias e encolhe as medidas. Não as da Lígia".
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