terça-feira, 16 de abril de 2013

Na chincha!

* Por Innocêncio Viégas

Innocêncio e Isabel:
Quarenta e dois passos, sobre uma lajota.
"Na chincha"!
Meus caros amigos, vocês talvez não se lembrem dessa palavra - chincha - mas no decorrer da leitura logo lembrarão.

Casei-me com a Bel em 1962 e já se passaram mais de cinquenta anos bem vividos. Eu, quando solteiro, em plena juventude, dançava vez por outra e até me saía bem. As más línguas diziam que eu chegava a fazer quarenta e dois passos de um tango, sobre uma lajota. Pura maldade, inveja da turma que não sabia balançar o esqueleto.

Bel não gosta de dançar agarradinho, diz que assim, erra o passo e eu só danço no "arrocho", "na chincha".

Passamos a vida assim. Dançamos uma vez, passamos um bom tempo sem dançar. Voltamos a dançar, e nisso, a penúltima vez que dançamos foi na comemoração das Bodas de Ouro do mano Jair Félix e da cunhada Lizete. Foi uma festa supimpa. A orquestra fenomenal. Boleros antológicos, canções eternas, tangos imortais, rumbas de Ruy Rey com o som lá do Caribe, fox-trot à moda Sinatra e a valsa vienense da coroação da festa.

Hoje, nós na cozinha preparávamos o almoço. A Bel tratava o peixe - uma corvina - e eu cuidava do vinagrete. A TV mostrava o programa da Fátima Bernardes - Encontro - e na telinha o violinista holandês André Riê, com a sua famosa orquestra.

Logo o maestro tocou uma conhecida valsa. Linda, convidativa. A Bel, sem avisar, me agarrou e já saímos dançando. Lembrei-me logo dos velhos tempos e já a "chamei na chincha".

Ela me empurrou e disse - não me apertes! Reduzi o aperto sem, soltar a prenda. E a valsa continuava e nós, bailando.

O espaço era pequeno. Estávamos entre o fogão, a mesa de jantar, algumas cadeiras, o balcão da pia com o peixe que nos olhava piedosamente, com inveja. Sobre a mesa,  cebolas, tomates, limão, cheiro verde, alecrim, a faca, a tábua onde corto os temperos, o azeite de oliva, o sal, o vinagre balsâmico e uma toalha de mão.

Nós continuávamos dançando. Mas o tempo na TV é muito curto e logo a "parte" acabou. Comemoramos.

O almoço foi divino. O peixe muito gostoso, que só a Bel sabe fazer. Servi-lhe o suco de caju. Abri uma garrafa de um bom vinho branco, seco, como manda o figurino e degustei o néctar dos deuses. O resto do dia foi maravilhoso.

Ah! Quase esqueci de lhes dizer o nome da sublime valsa: Danúbio Azul. E a nossa dança? Ora, a dança foi... "na chincha"!


*Innocêncio Viegas é teólogo, membro da Academia de Letras de Brasília, da Academia Internacional de Letras da Maçonaria, sócio fundador da Confraria dos Amigos da Boa Mesa, e especialista em tango. (Dizem as más línguas) Faz, como ninguém, quarenta e dois passos em uma lajota. É meu pai e, há mais de cinquenta anos,  marido de minha mãe, Isabel. Os dois, agora deram pra isso, de virar meninos de novo. Minha mãe não pode ouvir uma valsa na cozinha, que agarra meu pai. E sai dançando. E o velho nunca perde uma oportunidade de tentar trazer a Dona Isabel "na chincha".  

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