sábado, 29 de junho de 2013

Pedrada

Hoje, 29.

Da esquerda para a direita: Ildenor, Isabel Cristina, Isanor.
À frente, Iram, o aniversariante.  

Meu irmão, Iram, faz anos. Nasceu há 41. Minha avó, Antonieta, muito ciosa das coisas escritas nos almanaques, queria que ele se chamasse Pedro, pelo dia do santo. Não vingou. Resistiu a tradição de ter filhos com nomes começados pela letra I. Dessa forma, Iram, o quarto de nós, juntou-se a Inorbel (este que lhes escreve), Isabel Cristina e Isanor. Depois dele, viria ainda o Ildenor, fechando a família e impondo um fim à tradição.

Hoje, 29, dia de São Pedro


Vivi pouco na terra onde nasci, São Luis, do Maranhão. Mas o pouco que vivi por lá foi suficiente para me deixar marcas indeléveis. Minha memória de infância. Ladeiras, com pedra de cantaria. A beira mar, os pescadores, alvoroço de pássaros nas manhãs. O som dos tambores. O vento buliçoso. A areia e os temperos.

Dormia em rede, sem saber que dormir em redes é uma arte dada a poetas do sono (os sonhos sonhados ali ficam mais coloridos). Acho que vem dai o meu amor pela poesia. Apreciava as chuvas sem nunca descobrir de onde vinham todos aqueles pingos, e sem desconfiar para onde eles iam, em forma de correnteza, depois que caiam no chão.


Comia jambo (uma fruta de cor rosa e levemente adocicada) e pitomba,  tomava suco de murici, sorvete de côco na casquinha, daqueles que eram vendidos por homens fortes, que carregavam um tonel de madeira na cabeça. Esperava, invariavelmente, a passagem de uma senhora magrinha, pela porta de minha casa, perto das três da tarde, que vendia manuê, cuscus e tapioca. Tardes inteiras sem compromisso, senão com o compasso do tempo, à espera do fim do dia, que sempre chegava por perto das seis horas. Era quando se ouvia ao longe uma Ave Maria, quando os pássaros que ocupavam as árvores nos quintais se aquietavam, prometendo uma nova algazarra para quando a manhã chegasse.

Madre Deus

O sol daqui me faz arder em chamas a memória. Me transporto para lá. Caboclos de pena, matracas e pandeiros. As ruas cheias de gente, e suor, milhares de vozes cantando ao mesmo tempo, a batida dos tambores, a fogueira aquecendo o couro e alcançando o timbre certo. Enquanto estive lá, escutei de longe os brincantes, as toadas e invejei as danças com o olhar. Pedro, que estudou comigo; e Laurinda, irmã de Del, me escrevem e descrevem o que veem e ouvem. Penso que eu queria estar lá. Fecho os olhos e ouço tudo também.


Tenho hoje os tambores ao alcance dos dedos. Vou lá. Me lembro de uma toada do boi de Axixá, uma variante do Bumba-meu-boi, que tem composições mais sofisticadas e é acompanhado por uma orquestra de metais. Uma letra me vem à memória:

Quando eu me lembro
a minha bela mocidade
eu tinha tudo à vontatde 
brincando no boi de Axixá

Eu ficava com você
naquela tarde ensolarada
a sua pele bronzeada
eu começava a contemplar

mas é que o vento buliçoso
balançava os seus cabelos
E eu ficava com ciúmes
do perfume ele tirar

mas quando o banzeiro quebrava
seu lindo rosto molhava
e a gente se rolava
na areia do mar 

A letra veio toda, inteira. Busco uma imagem e encontro a canção. Digna de ouvir. Som da minha terra e da minha infância.


Pedrada Primordial



A Madre Deus em mim não é de hoje. É de útero. 


Manuelando


Recorro a Manuel de Barros e sua infinita destreza para desconstruir palavras e reconstruir a natureza. O invejo em sua auto-definicão de sabedoria. 

"Tenho o privilégio de não saber quase tudo. E isso explica o resto".

Manoel escreve coisas  que me fazem ficar matutando: Meu Deus, como não fui eu que fiz?


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