quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Olhar de fotógrafo

Um olhar perdido no tempo

Higa, nos velhos
tempos.
(Arquivo pessoal)
Corria o ano de 1971. Roberto Higa era só um jovem fotógrafo, mas já trazia na alma o dom de registrar em foto o que o mundo lhe pusesse à frente. Usava a máquina (como usa até hoje) como extensão do seu corpo. As fotos do Higa tem a digital dele. Desde aquela época.

São como texto escrito em forma de imagem. Carregam dor e alegria, aventura e emoção, cotidiano e raridade, com a mesma leveza, com a mesma magia. Higa, o poeta da imagem, o lambe-lambe indomável, o fixador das horas, o guardador da memória no relicário impessoal do tempo.

Eis que, lá um dia, na redação do Jornal Diário da Serra, chega a notícia de que um acidente de carro vitimara uma família de agricultores. Eles vinham do Paraná, de muda para os campos de Camapuã. Buscavam uma nova vida. Encontraram a tragédia no meio do caminho. Do acidente em que todos os adultos morreram, restara uma menininha, que deveria ter não mais do que três ou quatro anos.

A menina, o olhar, o passado mais presente
do que nunca, a pergunta ainda no ar.
(Foto Roberto Higa - 1971)
Ela chegara ao jornal nos braços de um policial interessado em fazer a notícia correr mundo, em busca de alguém que cuidasse e desse destino àquela menina. Higa estava lá. E fez a foto, e registrou para sempre o olhar triste e enigmático daquela criança. A redação comovida. Repórteres, fotógrafos, todos, tinham tantas perguntas e para todas, uma ausência de respostas... Uma foi atropelada pela rotina do jornal e perpetuou-se no vazio do ar: O que vai acontecer com essa criança, sem nome, sem casa, sem endereço, sem família?

O jornal, clic. A polícia, clic. A menina, clic. A redação, clic. O general, o político, o carro, o prédio, o campo, o pobre, o Papa, o índio, o natal, a flor, o mel, a abelha, o pasto, o boi, o ano novo, muitos natais e anos novos, o tempo passando, cli, clic, clic, clic... Higa, testemunha ocular de um mundo em transformação. Vida que segue.

Higa e a foto de 41 anos atrás.
O que foi feito dela?
(Foto de João Carrigó)
Quarenta e três anos e milhares de clics depois, numa tarde de agosto de 2013, o olhar perdido no tempo daquela menininha ainda impressiona o hoje "velho" fotógrafo Roberto Higa.  A foto de papel lhe vem às mãos e a mente voa para o passado. O que foi feito dela? Ainda é uma pergunta vazia, impregnada no ar. E os olhos da menina se confundem com os olhos orientais do Higa. Clic. Vida que segue.

Texto inspirado em reportagem de Paula Maciulevicius para o Lado B do Campo Grande News

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