Um jogo a três. Eu, meu pai e, numa dimensão qualquer, o velho Opílio Viegas a mexer as pedras do tabuleiro. |
Hoje, experimento estar aqui para fazer companhia ao Viegão. Ele ainda não tem previsão de alta. Só sai depois de vencer a pancreatite. E enquanto fica, nos revezamos entre dias de mãe e noites de irmãos.
Antes de chegar aqui, pensei em algo que transfigurasse o quarto do hospital. Meu pai gosta de ler, Comprei-lhe Mia Couto de presente. Um pra ele e um pra mim.
Lembrei dos tempos de São Luis e de meu avô. Lembrei como os jogos de tabuleiros (damas, dominós, etc.) sempre o fizeram feliz. E lembrei de ter aprendido a jogar com ele. Pensei que de alguma forma, meu avô estaria por perto agora, como sempre esteve, mesmo já não estando aqui.
Opílio Viegas. |
Antes de vir para o hospital, coloquei um tabuleiro de xadrez na bolsa, para testar a memória do meu pai. Para brincar com ele. Para roubar das horas duras de um quarto de hospital, uns minutos de prazer.
E assim foi que as horas se passaram. Falamos de política e religião; de índios e estradas; de futebol e literatura. Quando o assunto se foi, puxei o tabuleiro de xadrez. Meu pai riu. Disse que nem lembrava mais das regras. E eu disse que lembrava sim, porque jogar xadrez é como andar de bicicleta, nunca se desaprende.
E jogamos duas partidas. E ele pediu pra dormir.
E por não ter violão à mão, por não saber fazer música como Chico ou Mercedes, corri para o computador e escrevi.
Enquanto isso tudo acontece, imagino as risadas de meu avô preenchendo o vazio do quarto. O velho Opílio passou por aqui e fez rolar as pedras do nosso xadrez. As minhas, seu neto. E as de meu pai, seu filho. Partilhamos, por uns instantes, o universo preto e branco do tabuleiro. Entre reis e rainhas, bispos e peões, cavalgamos as horas tristes de um quarto de hospital como quem rompe o horizonte em direção ao mar.
O mesmo mar que me viu nascer. O mesmo mar em que navegou o seu barco, "Bela Rosa". O mesmo mar que nos une, na condição de navegantes precisos, preciosos, dessa vida incerta e bela.
Maravilhoso isso. Inspiração e poesia com quem se ama num momento de puro cuidado. Saúde para seu Viegas, luz para seu Opílio, paz prá você.
ResponderExcluirMeu poeta...Quanta ternura...Quanto amor... Lindo demais. Que ele saia logo...A benção poeta!
ResponderExcluirMaranhãozinho, que tudo corra bem, que este hospital seja breve e que você seja sempre tão abençoado, assim como teu querido pai. Beijos
ResponderExcluirMaranhão, o comentário vai sair em nome da Ma, que também te manda um beijo e ao teu pai.
ResponderExcluirMaranhão,
ResponderExcluirEsperança, apreensões e tristeza às vezes nos assaltam.
Permita-me lembrar um poeta simbolista:
Estalactite
A gota vagarosa,
Infiltrada no dorso hirsuto da montanha,
Atravessa da gruta a abóbada porosa
E forma lentamente incrustação estranha.
5. Também na alma humana
A lágrima cruel, caindo dia a dia,
A lágrima que gera a negra dor insana
Forma a Estalactite enorme da agonia.