quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Memórias da profissão
Durante a minha adolescência, Brasília era sinônimo de férias. Meu pai servia o Exército em Brasília e era aqui que eu vivia parte das minhas férias escolares.
Primeiro, ele morou na 113 norte. Mais tarde, na 102.
Me lembro de andar à noite pela W3, longas caminhadas depois de bares ou festas, sem pressa e sem medo. Coisa de adolescente mesmo. Coisa difícil de se fazer hoje com tranqüilidade.
A primeira vez que vim pra cá como jornalista foi quando Tancredo Neves chegou à presidência pelo voto indireto. Aliás, a última eleição indireta para presidente, fechando o ciclo do regime militar e consolidando a transição democrática brasileira. Ele ganhou a eleição, mas teve que ser internado às pressas, poucas horas antes da posse. Eu era repórter da rede Bandeirantes e fui escalado para reforçar o pequeno time, à época, da emissora na Capital Federal.
Boa parte do calvário de Tancredo eu passei em longos plantões, na frente do palácio do Jaburu. A missão era acompanhar o andamento do vice-presidente Sarney.
Eram tempos de angústia. Muita espera e pouca notícia. Uma noite, depois de encerrado o meu plantão, aceitei um convite para jantar e segui com o Hugo Studart, repórter do Jornal do Brasil, para o restaurante do Hotel Nacional.
Pedimos uma bebida enquanto aguardávamos o prato principal. E falávamos da vida, dos tempos de militância estudantil, que nos juntou em alguns dos vários congressos de comunicação dos quais participamos pelo país afora.
Era um domingo. Havia um telão ligado ao fundo do restaurante, exibindo cenas do programa Fantástico, da Rede Globo. Mal havíamos tomado o primeiro copo de whisky quando o programa foi interrompido para uma fala do jornalista Antônio Brito, assessor de Tancredo, alçado pelas circunstâncias à condição de porta-voz da agonia.
“Lamento informar que o senhor presidente Tancredo de Almeida Neves acaba de falecer”. Assim começava o texto do Brito que fez acelerar o nosso ritmo cardíaco, acabou com o nosso jantar e mudou definitivamente a história do país a partir daquele momento. 21 de abril de 1985. Nos despedimos desejando boa sorte e nos separamos, eu e o Hugo, antes que o nosso pedido chegasse à mesa. Naquela noite, eu corri por Brasília carregando um misto de tristeza e incerteza.
Naquela noite, Brasília deixou de ser o lugar onde eu apenas passava férias. Encerrava-se ali a trajetória de Tancredo, o presidente que foi sem nunca ter sido. A Nova República começava velha, com a morte dele, com o país inteiro lamentando e com Sarney chegando da forma mais inesperada à presidência do Brasil. Começava a minha primeira cobertura jornalística, em âmbito nacional.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Fui a Brasilia duas vezes: uma como escala para o Nordeste e outra num Congresso qualquer sobre os rumos da educação no Brasil.
ResponderExcluirSe calhar estas vezes não foram suficientes para perceber a dinâmica da cidade. Acho-a fria, ou melhor, temporária.
Quando o Tancredo morreu eu estava no bar da Veterinária no Parque de Exposição Laucidio Coelho.
As pessoas ficaram num silencio ensurdecedor a ouvir o relato do Brito nos altifalantes do parque.Fomos embora.
Lembro-me da tristeza do meu pai. Um homem que sempre lutou pela liberdade e correu muitos riscos na defesa deste ideal.
Foi com meu pai que fui pela primeira vez num comício. Diretas Já!!!
No palanque, de mãos dadas com ele, ouvi o discursso do saudoso Harry Amorim Costa, seu amigo e conterrâneo. Ouvi o Hino Nacional cantado numa gravação pela Fáfa de Belém, enquanto as lágrimas corriam na face de meu pai...
Era um mar de gente...e eu ali sem enterder muito bem o que se passava...mas sentia a energia que me contagia até hoje.
O teu texto é lindo...obrigada por me fazer lembrar de tantas coisas boas...