domingo, 31 de janeiro de 2010
Brincadeira de sábado
Sábado à noite foi meu dia de estréia nos palcos. Uma pequena estréia, duas músicas apenas.Mas, aqueles poucos minutos pareceram uma vida.Foi numa festa/show na casa do Luiz Theodoro, músico competente e genial, a quem chamo de “meu maestro soberano” (que aparece aí na foto, feita no estúdio dele).
A causa foi nobre. Uma festa solidária pelo restabelecimento da saúde de um outro grande músico de Brasília – Daniel Jr. Cara sensacional, sensibilidade a milhão. Ele reúne leveza e magia quando os seus dedos tocam as cordas do baixo.
Pois bem, Lula, meu maestro soberano, com quem tenho dividido umas parcerias em composições, tem me empurrado para o estúdio sempre que vê uma chance. Ponho minha voz como quem joga num treino. E aí, é legal. Erra-se, acerta-se. Sem o compromisso maior, a não ser divertir-se, experimentar. Ontem foi diferente. Desta vez, me empurrou para o palco. Queria que cantássemos umas das nossas, mas não me arrisquei. O tempo era curto, houve desencontro nos dias em que marcamos ensaio.
Mas ele insistiu e, ao final, eu topei fazer duas músicas que considero clássicos da MPB: Canteiros, do Fagner. E Cantar, de Godofredo Guedes, que ficou nacionalmente conhecida na voz do filho dele, Beto.
A festa estava magnífica. Gente do bem, reunida para se divertir. Pelo palco passaram quase duas dezenas de artistas, todos emocionados com a boa recuperação do Daneil Jr, que enfrentou uma longa jornada no hospital.
Lá pelas tantas, Lula sobe ao palco acompanhado pelo Armando, outro baixista nato. Canta uma, duas, três músicas e anuncia: “Eu queria convidar o Maranhão pra cantar as próximas duas comigo”. Gelei. Senti na barriga aquele frio característico que nos toma quando fazemos uma coisa pela primeira vez. Fui e cantei.
Posso lhes assegurar que foi um grande e generoso presente do Lula. Entre tanta gente boa, de reconhecida habilidade musical, eu me esforcei pra não fazer feio. Para o meu alívio, não houve debandada na platéia. E eu saí feliz como criança que ganha um brinquedo novo. Como calouro que passa no vestibular. Como alguém que descobriu um pouco mais das suas capacidades e venceu mais um desafio na vida.
Com as bênçãos do meu maestro soberano e de Daniel Jr.
P.S. – Foi uma bela experiência. Mas ainda acho que o jornalismo vai ocupar a maior parte do meu tempo.
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
Timbres do Sul
Hoje é sexta (tá terminando, mas ainda é) e eu vou tentar, sempre às sextas, falar sobre algum assunto ligado à Cultura. Uma dica de cinema, um filme, um livro, uma música e por aí vai. Então, começamos.
Em 2006 estive em Porto Alegre fazendo a campanha da governadora Yeda. Em campanha a gente conhece e convive com um monte de gente de todos os naipes. Digo sempre que as equipes de campanha são uma espécie de Big Brother. Reúne-se uma legião de profissionais de todos os cantos do Brasil, ocupa-se uma casa/produtora, por três ou quatro meses. São horas e horas de convivência com o melhor e o pior de cada um. Se a química não funciona, há explosões. Quando funciona, deixa marcas eternas.
Foi em POA/2006 que conheci Yuri Veiga. Um cara fissurado em computação gráfica. Um mago. “Resolvedor” de coisas “irresolvíveis”. Companheiro de longas noites insones, na busca da melhor forma, do melhor efeito, do melhor design, da melhor estética, das ferramentas que tornassem mais compreensível a mensagem política, sem perder o senso estético, o bom gosto.
Aliás, esse é um dos grandes desafios dos programas políticos na TV: caminhar de forma eficiente sobre a linha tênue que separa a elegância e a criatividade da ideologia. Ter consistência, fugindo da mesmice conceitual.
Pois, o Yuri me aparece agora, há poucos dias, brilhando também em outros palcos, longe das ilhas de edição. Virou mago da música eletrônica em Porto Alegre. Juntou-se à Gisele, também gaúcha, guria determinada, e formaram o “Brave – The elements”. Estão ganhando a noite portoalegrense fazendo o que os dois chamam de música eletrônica com alma. O som parece ter caído no gosto dos amantes da música eletrônica. O trabalho dos dois foi descoberto por uma radialista que assistiu ao primeiro show deles (o da foto, lá em cima), na Cabaret, em Porto Alegre. Em dois tempos, a música deles invadiu a programação da OI FM e não saiu mais da lista de mais pedidos.
O que eu não sabia é que a música já existia no Yuri, antes mesmo da computação gráfica. Em 93 ele recebeu o prêmio por ter feito a melhor trilha sonora num festival de cinema. O filme era “A morte no edifício Império, de Beto Souza, outro companheiro de jornada das campanhas do Sul. Mas o cinema do Beto, gremista de quatro costados, é papo para outro post. Por enquanto, curtam o som de “Brave – The Elements”, de Gisele e Yuri.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Memórias da profissão
Durante a minha adolescência, Brasília era sinônimo de férias. Meu pai servia o Exército em Brasília e era aqui que eu vivia parte das minhas férias escolares.
Primeiro, ele morou na 113 norte. Mais tarde, na 102.
Me lembro de andar à noite pela W3, longas caminhadas depois de bares ou festas, sem pressa e sem medo. Coisa de adolescente mesmo. Coisa difícil de se fazer hoje com tranqüilidade.
A primeira vez que vim pra cá como jornalista foi quando Tancredo Neves chegou à presidência pelo voto indireto. Aliás, a última eleição indireta para presidente, fechando o ciclo do regime militar e consolidando a transição democrática brasileira. Ele ganhou a eleição, mas teve que ser internado às pressas, poucas horas antes da posse. Eu era repórter da rede Bandeirantes e fui escalado para reforçar o pequeno time, à época, da emissora na Capital Federal.
Boa parte do calvário de Tancredo eu passei em longos plantões, na frente do palácio do Jaburu. A missão era acompanhar o andamento do vice-presidente Sarney.
Eram tempos de angústia. Muita espera e pouca notícia. Uma noite, depois de encerrado o meu plantão, aceitei um convite para jantar e segui com o Hugo Studart, repórter do Jornal do Brasil, para o restaurante do Hotel Nacional.
Pedimos uma bebida enquanto aguardávamos o prato principal. E falávamos da vida, dos tempos de militância estudantil, que nos juntou em alguns dos vários congressos de comunicação dos quais participamos pelo país afora.
Era um domingo. Havia um telão ligado ao fundo do restaurante, exibindo cenas do programa Fantástico, da Rede Globo. Mal havíamos tomado o primeiro copo de whisky quando o programa foi interrompido para uma fala do jornalista Antônio Brito, assessor de Tancredo, alçado pelas circunstâncias à condição de porta-voz da agonia.
“Lamento informar que o senhor presidente Tancredo de Almeida Neves acaba de falecer”. Assim começava o texto do Brito que fez acelerar o nosso ritmo cardíaco, acabou com o nosso jantar e mudou definitivamente a história do país a partir daquele momento. 21 de abril de 1985. Nos despedimos desejando boa sorte e nos separamos, eu e o Hugo, antes que o nosso pedido chegasse à mesa. Naquela noite, eu corri por Brasília carregando um misto de tristeza e incerteza.
Naquela noite, Brasília deixou de ser o lugar onde eu apenas passava férias. Encerrava-se ali a trajetória de Tancredo, o presidente que foi sem nunca ter sido. A Nova República começava velha, com a morte dele, com o país inteiro lamentando e com Sarney chegando da forma mais inesperada à presidência do Brasil. Começava a minha primeira cobertura jornalística, em âmbito nacional.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
Passos na areia
Havia 23 anos eu não pisava em solo maranhense.
Muitos me diziam – ingrato, desnaturado.
Não se trata disso. Em verdade carrego o amor explícito pela minha origem no apelido que adotei como nome profissional – Maranhão Viegas.
A história dessa adoção começou lá atrás, nos idos dos anos 80.
Era a primeira aula da faculdade de jornalismo em São Leopoldo, na UNISINOS.
Rodada de apresentação aberta. Chega a minha vez.
Então, meu filho, como é o seu nome e de onde você vem (dizia a professora Elvira, por coincidência, também maranhense). Inorbel Viegas. Venho do Maranhão.
Eu sei, disse ela. Mas vamos fazer o seguinte, vai ser difícil guardar esse nome.
Por incomum. Então, deixe de coisa e a partir de agora você será o nosso Maranhão.
Maranhão Viegas. Pronto. Batizaram-me.
Anos mais tarde, quando cheguei à profissão, os homens da TV quiseram mudar o meu nome. Outra vez. De novo, lancei mão do meu apelido. Agora, com mais propriedade e convicção. Virei repórter – Maranhão Viegas. E assim me fui, até que a dupla personalidade me incomodou. Hoje, depois de alguns anos de psicanálise, resolvi velhos entraves, compreendi outros tantos e equilibrei a convivência pacífica dos dois em um único sujeito – Inorbel Maranhão Viegas.
Quando fiz 47, em agosto do ano passado, decidi que era hora de me dar uma viagem de retorno de presente. Levei comigo Mara, Mariana e Gabriel. E um feixe de emoções que não sei medir o tamanho.
Dá última vez em que estive lá, em 86, caminhei pela Madre Deus, bairro onde nasci, ainda em companhia do meu avô. Ele, eu e uma câmera nas mãos. Eu estava decidido a registrar o que pudesse em dois rolinhos de filme, cada um com três minutos. Segui-lhe os passos da Rui Barbosa até a Rua de São Pantaleão, perto do hospital Geral. Havia ali um beco onde a velha guarda jogava dominó. Turma dele. Conversavam por olhares. “Seu” Opílio Viegas era um dos que permanecia mais tempo à mesa. Entravam e saiam duplas de desafiantes e ele lá.
Nessa época, a cidade enfrentava um racionamento de energia. A coisa era grave de tal forma, que meu avô controlava em uma tabela feita a lápis, diariamente, o nível de consumo para saber se estava na média ou não. Quem excedia, pagava ao governo uma cara multa. Assim é que a minha avó, no início do mês, estava liberada para assistir todas as novelas e mais o Jornal Nacional.
A medida que o mês ia passando e a cota sendo atingida, diminuía o tempo de TV. Primeiro o meu avô cortava a novela das duas. Depois, a das seis. Por fim, assistia-se apenas o jornal nacional e novela das nove.
Como um Glauber Rocha desavisado, cheguei com uma câmera nas mãos e muitas idéias na cabeça. Uma filmadora super 8 e um “pau de luz” de 1.000 watts. Uma manhã, com ele e minha avó à mesa, na hora do almoço, decidi registrar a cena. Os dois empolgados. Aprumei a máquina, disparei o filme e – Tchum! – acendi o refletor. Mil watts na cara do meu avô e ele não se conteve – “Valha-me Deus! Antonieta, pega as velas que se foi a cota de energia do mês.”
Ele morreu sem ver o filme revelado. Há poucos dias, encontrei os dois rolinhos de três minutos e mandei para São Paulo. Ainda não sei se há algo lá. Torço para que o tempo não tenha apagado estas imagens na fita. Na minha memória elas não se apagarão, jamais.
Agora, desembarco com outra câmera nas mãos. Mais moderna, ecologicamente correta e me permitindo rever instantaneamente o que gravo. São três dias de reencontro. E de descobertas. Reencontro amigos deixados na infância. Outros, da minha curta passagem de seis meses pela Universidade Federal do Maranhão. Amigos definitivos. Revejo a cidade com os olhos de menino crescido. Pedras de cantaria nas ruas, velhos casarões azulejados, ladeiras que dão no mar. A dor do encontro dói em meu peito como uma melancolia de seis da tarde, de fim de dia.
Vejo meus filhos descobrindo o meu passado. De onde vim, havia muita areia e mar. Havia um mundo que eu não cheguei a descobrir por inteiro. E que agora estava ao alcance da minha mão por três dias. Jorge, meu primo. Tia Dica, mais velhinha do que imaginava, sentada em um canto da porta da quitanda. Estava tudo lá, como havia anos, deixei. Ali, tive a impressão de que o tempo passou só para as pessoas – agora com cabelos brancos e mansidão. As casas, as ruas, os becos, os cheiros, os sabores, estavam todos lá. Como estiveram uma vida inteira.
Achei tempo de ir aos lençóis. Um deserto de areia e água doce. Até ali só o havia visto em filme – Casa de areia. E imaginado na fala de tantos. É de fato um deserto imenso. Inusitado. Pontuado por lagoas de água doce e um horizonte sem fim.
A viagem curta serviu para aplacar a saudade e dimensionar o tempo. Estive distante sem nunca ter partido. Eu, Inorbel, sou cada vez mais Maranhão. Viegas.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
Para vencer a violência
Durante três anos fui editor na TV Senado. Foi um período de reencontro com o jornalismo diário que, desde o início da década de 90, eu havia abandonado. Foi uma experiência curta, mas muito rica. Pela presença no coração do poder Legislativo, pelo reencontro com antigos amigos e pela possibilidade de conhecer e fazer novos.
Um pouco antes da virada do ano, já depois de ter deixado a TV, recebi um e-mail da Luciana Rodrigues(foto aí acima), jornalista competente e amiga adorável, falando de um jeito muito especial sobre o trabalho que ela estava fazendo naquele momento para a TV Senado. A emoção da Lu se justificava por dois motivos, dizia ela: primeiro, por estar na estrada ao me escrever, experimentando a magia da banda larga móvel. E depois, pela riqueza do material que estava sendo produzido.
Naquele momento, ela escrevia do Rio de Janeiro. Havia acabado de passar, pelo que ela me informava, em um "Território Pacificado". Pela euforia com que ela falava, eu podia vê-la, com os dedos nervosos no teclado.
Depois de relatar a passagem pelo Rio me disse que embarcaria para Porto Alegre, para completar o material. Respondi de volta e imediatamente, como a euforia da Lu exigia. E pedi que me avisasse quando o material fosse ao ar.
Pois, neste fim de semana tive a oportunidade de assistir o “Repórter Senado” – Segurança Pública. E posso garantir que ele vale o entusiasmo das linhas da Luciana. Há nele pelo menos duas questões importantes: Onde antes só havia o poder paralelo, a ação dos narcotraficantes, agora existe uma ponta de esperança e a presença do poder legítimo. É o que está se chamando de “Territórios Pacificados” no Rio de Janeiro. A terminologia remete a um ambiente de guerra. E era isso mesmo o que existia lá, antes.
A outra notícia boa é na verdade uma experiência que acontece no Rio Grande do Sul e que também tem um nome com o qual eu não estava habituado a lidar: “Justiça Restaurativa”. A idéia é simples e complexa ao mesmo tempo. Impõe ao algoz estar diante da família da vítima e falar sobre o acontecido. Quase uma sessão de psicanálise, que termina com um pedido real de desculpas.
Parece pouco para quem viveu a experiência de perder alguém em um episódio de violência. Mas os relatos mostram que, nesse caso, o pouco é muito. E muito significativo para ambas as partes. E para a Justiça, e para Segurança Pública... e para todos nós que sonhamos com tempos mais tranqüilos.
Quem não assistiu ainda tem a oportunidade de ver o Repórter Senado – Segurança pública. Basta acessar a página da TV Senado na internet e clicar em “vídeos”. É fácil e vale a pena. Mesmo que você não conheça a Luciana Rodrigues. Mesmo que você não tenha o hábito de assistir a TV Senado. Você vai ver como o país caminha, apesar de tudo, independente dos escândalos políticos, em busca de soluções inteligentes para graves e persistentes problemas da vida moderna.
sábado, 23 de janeiro de 2010
Manoel no meu caminho
Ana Tebar me escreve, de São Paulo, falando de uma entrevista com o autor do documentário "Só dez por cento é mentira". É um documentário sobre Manoel de Barros e sua poesia. Jorge Calábria, lá de BH, também já tinha me falado dele. E falava com paixão. Os dois me provocaram. Serei obrigado a ir pro cinema, já, já. Manoel cruzou o meu caminho, de novo. Feito nuvem de vidro em céu de domingo azul. Sua bênção, meu poeta!
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
O intangível
Chove em Brasília uma chuva fina, que deixa a sexta-feira com cara de inverno. A tarde se arrasta pro fim.
É quase hora de pegar a estrada e ir pra casa.
No caminho de volta, passo pelo Palácio do Planalto em reforma.
Passo pelos ministérios. Pela Catedral. Pelo Museu Nacional. Pela rodoviária.
A cidade projetada por Lúcio e Niemeyer vai fazer cinqüenta anos em 90 dias. Esperava-se uma grande festa. Mas a festa vai ser morna. Há uma gastura nas vísceras do poder local, que extrapolou o ambiente político e atingiu em cheio o espírito público.
Nada com a gente daqui. A gastura tem a ver com algo disseminado de forma endêmica no exercício da política. Não importa o local, não importa a ideologia, não importa nada. O fascínio pelo poder e a facilidade em manter-se impune são capazes de corroer as mais rígidas convicções.
O resultado é o desgoverno. Ou um governo combalido. Ou autoridades de faz de conta tentando tanger o intangível. O resultado é uma mancha difícil de apagar. Como nódoa de sangue em linho branco.
Brasília, aos cinqüenta, merecia muito mais do que isso.
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Um risco no céu
Em 2008 coordenei uma campanha de prefeito em Montes Claros, Norte de Minas. Foi a minha segunda campanha em terras de Darcy Ribeiro. Há alguma coisa especial, mais intensa que política, por aquelas plagas. Ali, no sertão onde o velho Guimarães Rosa deixou pegadas e sonhos, as noites têm um barulho próprio de mato invadindo a cidade. E um cheiro de terra molhada que remete a quase sempre à infância.
No frenesi das campanhas, as noites passam e a gente não sente. Troca-se a noite pelo dia. E, às vezes, troca-se também o dia pelo dia quando o “dead line” aperta. Nas poucas horas em que havia sobra de tempo, corríamos pra algum lugar diferente das ilhas de edição ou dos estúdios de gravação. Pequenas incursões gastronômicas.
Fazíamos os mesmos movimentos dos outros estrangeiros, das campanhas adversárias que estavam na cidade – diretores, cinegrafistas, editores, repórteres, publicitários, produtores. Todos em busca de um fôlego. Uma pausa nas propostas, projetos e promessas de campanha. Não por coincidências, era comum nos cruzarmos.
Nas mesas de bar ou nos restaurantes nós, de campanhas diferentes, éramos iguais. Iguais no cansaço, iguais na alegria besta, iguais. Fugazmente, iguais. Não havia espaço para discordâncias ideológicas de qualquer timbre.
Agora há pouco, Soraya me ligou lá de BH. Pra avisar que um dos nossos iguais, o Luis Sander, que foi diretor de uma campanha adversária à nossa, já não está mais entre nós. Foi vítima de um acidente de carro no Parque do Rola Moça, na BR 040, nesta quarta-feira.
A intimidade fugaz das noites de campanha em Montes Claros. Tempo suficiente para perpetuar uma ausência de quem deixou rastro de olhares iguais. Tempo suficiente pra quem virou um risco incandescente no céu.
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Poesia em forma de bilhete
domingo, 17 de janeiro de 2010
Poesia não envelhece
Foi em 1991. O desafio era entrevistar o poeta Manoel de Barros para a primeira revista científica da UNIDERP - Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal. Obter dele algo que ligasse a poesia à pesquisa e ao trabalho que a Universidade pretendia fazer no Pantanal. O convite veio da professora Yara Penteado e do professor Paulo Cabral. A Revista se chamaria ONATI. Topei na hora. Fiz a lista de perguntas e mandei pro Manoel. Quase 20 anos depois, relendo o que ele escreveu, constato - poesia não envelhece. Por isso, faço questão de abrir este novo trabalho resgatando um pouco da conversa com Manoel de Barros (na foto ao lado, feita por Orlando Brito). Pelo jornalismo e pela poesia. Boa leitura.
O peso das contradições do Brasil lhe pesa também sobre a poesia?
O peso das contradições do Brasil lhe pesa também sobre a poesia?
Manoel de Barros - Não pesam as contradições do Brasil porque, na verdade a gente, eu, tenho muito mais contradições do que o Brasil. Eu ganho do Brasil de 10 a zero. Acho que a gente é poeta por isso mesmo: que precisa resolver as suas contradições. E porque não as resolve, graças a Deus. Eu não resolvo essa briga dentro de mim senão com palavras. E há uma figura de estilo que concilia muito a gente por dentro. Se trata da antítese. A gente produz uma frase antitética e fica feliz. Parece que a frase nos harmoniza. Assim como esta, por exemplo: Só as coisas rasteiras me celestam.
Na revolução da informação que vivemos neste fim de Século (a conversa foi no fim do Século XX), a composição da poesia também se altera?
Manoel de Barros - Sabe, Maranhão, eu tenho um mundinho bem reduzido. Tentei algum tempo alargar esse mundo lendo os filósofos, pensadores, romancistas, poetas de todos os lugares e tempos. Vi pinturas, esculturas, vitrais, pessoas, países, ruinas, aldeias, costumes, ternuras, desgraças. Andei por estradas modernas e por trilheiros. E vi, como diz o Eclesiaste, que tudo é vaidade e vento. Isto seja: que tudo é igual e vai pro pó. Não me impressiono com as tecnologias. Pra mim, elas acrescentam algumas palavras novas, que ainda não aceito em meus poemas. Não aceito porque essas palavras ainda não entraram no meu sangue. Componho como compunha: a lápis e usando um velho dicionário português dos eremitas calçados de 1870. E as minhas percepções sensoriais.
Que características deve ter uma instituição que deseje compreender, absorver e transmitir as particularidades que compõem o Pantanal?
Manoel de Barros - Existe, ao que sei, a SODEPAN, que é uma entidade criada para a preservação do Pantanal. Há uma agressão ao pantanal que entra através de suas águas. Nisso vejo o maior perigo. Mercúrio de garimpeiros, sujidades e venenos de indústrias. Agrotóxicos. Coureiros. Desmatamentos sem controle, são os maiores perigos. Penso que a SODEPAN trata disso. Mas aquele universo é principalmente preservado virgem pelo instinto do seu povo. É uma gente tão pregada às suas árvores, às suas chuvas, aos seus cavalos, às susa areias e aos seus ventos que qualquer arranhão a essas coisas arranha seus habitantes. Daí que eles andam em guarda, feito os quero-queros que defendem seus ninhos na beira dos corixos.
A Aldeia Global nos permite estar hoje na África do Sul ou no Pantanal do Nabileque , com uma pequena diferença de fração de segundos. Há risco nessa evolução? Voltar os olhos para o regional significa resguardar a identidade pantaneira?
Manoel de Barros - Não há como evitar as aldeias globais e seus efeitos. Elas invadem e destemperam quase tudo. Mas o pantanalem seu todo, em sua ossatura geológica está resgaurdado. Ou quase. O fato de seruma região de enchentes periódicas, isso preserva um pouco o pantanal. Ninguém se estabelece com indústrias ou supermercados no pantanal. Porque em seis meses as águas lhes comem pelas beiradas. E tudo bóia. E tudo nada. Aquilo é celeiro de bichos e aves e não de cofres bancários. Com a paz dos bichos vive a paz do homem pantaneiro. E viverá enquanto a natureza não modificar a sua ossatura geológica.
Alguma vez lhe passou pela cabeça criar um "dicionário da natureza"?
Manoel de Barros - Você pode não acreditar, mas eu não me emociono com a natureza como ela é. Suas águas, seus bichos, sua vegetação. Até tenho um certo fastio da natureza. Igual Mackbeth falava: Tenho um certo fastio do sol. Talvez a gente queira fazer um sol verde, um homem que voe como as noivas de Chagal, uma cavalo azul e de asas. É evidente que eu, tendo sido criado no pantanal, tenha em mim um lastro de brejos e de conchas. Tenho um sentido de abandono em mim. Um sentimento de lonjuras, de distâncias, de lugares sem dono. Venho daqueles tempos em que o pantanal era o ermo. Fui criado naqueles ermos. Por isso tenho em mim um sentimento de abandono. Na minha meninice chegavam apenas carros de bois, de três em três meses no lugar em que morávamos. De forma que essa angústia de estar em lugar distante e perdido, me acompanha até hoje. Não me seduz ver as paisagens do pantanal porque elas estão dentro de mim. O que preciso é transfazê-las.
Você parece ter feito uma opção por manter-se à margem. Do sistema, da mediocridade, da excentricidade. Você se sente violentado nesses tempos de invasão e de quebra de privacidade?
Manoel de Barros - Existe uma lenda de que eu tenha feito opção para viver à margem. E às margens. Mas, na verdade, eu nunca fiz essa opção e a coisa é lenda mesmo. O que eu sou, sem dúvida, é um tímido incurável. Sofro para atravessar um salão cheio de gente. Sofro em solenidades. Ando sobre pregos se tenho que conversar com senhores conspícuos. Até para entrar em salão de barbeiro, se o salão está cheio de gente, eu sofro. Escolho sempre aqueles velhos salõezinhos de uma só cadeira. Aí fico amigo do barbeiro e nos anedotamos. Daí, por não gostar de sofrer, fui me afastando dos convescotes, das vernissages, dos inauguramentos, dos sodalicios. Prefiro os lupanares do que os sadalícios. Vivo bem nas tocas. A gente acaba descobrindo que no fechado o imaginário voa mais longe.
Mesmo sem sair do Mato Grosso do Sul, sem cortar o contato com a sua terra, o seu olhar tem sabor do universal. Que energia é essa que te alimenta a poesia?
Manoel de Barros - Os olhos enxergam melhor as coisas do nosso pequeno mundo particular. Aqui ou em Paris os quintais têm as mesmas coisas: folhas secas, cacos de vidro, formigas, bosta de rato, baratas cascudas. Passei algumas horas no quintal de Rodin. Eu estava curioso para ver se os passarinhos de lá tinham duas pernas também, como os daqui. Saí confiante que tinham. Então acertei as pequenas coisas que meus olhos viam na minha terra, na minha cidade, no meu terreiro - eram quase que as mesmas que eu vira no quintal de Rodin. E sei bem que só um milagre estético pode tornar tudo isso universal. O que faz do particular uma coisa universal é o tratamento estético que possamos dar a esse particular de cada um de nós.
Gilberto Gil diz em uma de suas canções que "no sonho do poeta nada falta". Com quê o poeta sonha?
Manoel de Barros - Eu fantasio completo. Eu fantasio mulheres, viagens , vulva, pevide, inocências. Queri ter agora um olho de criança para ver o mundo pela primeira vez. (Meu olho está tão gasto!) Eu ía dar nome às coisas. Cobra eu chamaria de flor que anda. Nuvem eu chamaria de sol, etc. etc. Eu daria movimento às pedras. Faria árvore pensar. Tudo o que eu tocasse teria um canto, uma cor, um amor. A solidão teria que existir para que a alma funcionasse e se abrisse em sonhos. Eu sonho tudo. Eu queria saber misturar melhor as palavras a ponto que eu fosse mais poeta.
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